“Ao final do dia, António Costa ficará na história como o político e o primeiro-ministro que quebrou o muro que protegia a política portuguesa do populismo, do radicalismo, da demagogia e da falta de urbanidade.”
O recente congresso do Partido Socialista não foi apenas um evento de transmissão do poder, mas uma revelação intrigante das dinâmicas internas e das estratégias políticas em jogo. António Costa, ainda a querer ser o líder do PS, protagonizou momentos marcantes que, ao invés de permitirem a passagem de testemunho no partido, expuseram as tensões, estratégias questionáveis e uma relutância surpreendente em abdicar do poder.
E não podemos esquecer que António Costa continuará a desempenhar o papel de líder de facto do PS, pelo menos até ao final de março. Ou, até mesmo, existe a possibilidade de o termos como primeiro-ministro nas celebrações dos 50 anos do 25 de abril. Foi isso que Marcelo nos proporcionou, um espetáculo até ao fim.
Um dos pontos de destaque foi o aparente “recuo” de António Costa em relação à sua decisão de abandonar a liderança do partido, ou seja, anuncia a saída mas permanece. E tem o palco para isso. Não será para se manter como primeiro-ministro, mas é o palco que utiliza para condicionar Pedro Nuno Santos, fazer campanha pelo seu legado e para o futuro que almeja ou que sempre desejou: um lugar na Europa.
O que se esperava ser uma transição suave para Pedro Nuno Santos, o novo líder designado ou o líder de direito do PS, transformou-se num espetáculo de relutância e resistência à saída do protagonismo político. Ficou patente que, mesmo após a demissão, Costa não estava pronto para ceder o palco que ocupou por tanto tempo.
Um dos momentos de destaque foi o ataque ao Ministério Público, uma crítica contundente que teve como alvo uma instituição vital para a justiça portuguesa. Este discurso estratégico de vitimização, sem dúvida, será utilizado na campanha do PS, evidenciando uma tentativa de descredibilizar uma instituição independente. Isto revela a preocupante estratégia de desviar a atenção dos problemas reais do país para preservar a imagem do partido no poder que durante 8 anos tem um track record de demissões atrás de demissões de casos e casinhos e de um país em estado de caos.
Outro episódio que marcou a intervenção de Costa foi o confronto público com o Presidente da República. E tudo ficou resumido em uma frase, onde Costa coloca o MP e o Presidente no mesmo saco: “Podem ter-me derrubado mas não me derrotaram. Podem ter derrubado o nosso governo, mas não derrubaram o Partido Socialista.”
A retórica beligerante de Costa fomenta um ambiente de conflito, mas é neste premente ambiente de conflito que o PS e António Costa vão procurar estar.
A apresentação de Pedro Nuno Santos no palco revelou uma dinâmica peculiar. O gesto aparentemente paternalista de Costa, ao procurar Pedro Nuno entre o público e levá-lo para o centro das atenções, sugere uma dualidade de liderança. Isto enfraquece a imagem do novo líder do PS, indicando que, apesar da transição anunciada, Costa ainda se considera, em parte, o líder do partido. E por isso, vamos ter um liderança bicéfala até ao fim da linha de António Costa.
O foco estratégico do congresso merece análise. Quando o PS se sente acuado, seja pela proximidade da justiça ou pelo risco de perder o poder, observa-se uma tendência de união partidária em torno do discurso do medo. E também foi por isso que deitaram António José Seguro pela janela. Os socialistas parecem dar o dito pelo não dito, quem não se lembra da postura de Assis ao tempo da geringonça, mas quando se trata de manter o poder, vale tudo e isso ficou evidente durante o congresso. A ausência de uma estratégia ou ideia clara para apresentar a Portugal, exceto os lugares-comuns sobre salário mínimo e habitação de Pedro Nuno Santos, levanta questões sobre a visão do partido para o futuro, ou seja, o PS continua a não ter uma ideia para apresentar ao país.
A estratégia do PS em focar o discurso no partido Chega e adotar um discurso do medo foi notória durante o congresso. Esta abordagem, já presente desde 2019 e intensificada em 2022, parece ser a resposta preferencial do PS quando confrontado com desafios eleitorais. É importante lembrar que foi António Costa quem trouxe o Bloco de Esquerda (BE) e o Partido Comunista Português (PCP) para o arco da governação, alimentando o extremismo por conveniência política.
O discurso populista e demagógico que o PS parece abraçar, com figuras proeminentes como o poeta Manuel Alegre contribuindo para essa narrativa, é preocupante. Esta estratégia não apenas desvia o foco dos reais problemas do país, mas também vende uma ideia equivocada de que a direita democrática poderá abrir caminho para a ascensão do Chega. Este argumento, embora possa render alguns votos, distorce a realidade política e empobrece o debate democrático.
António Costa, ao utilizar frases como: “O diabo não veio por uma razão muito simples: é que o diabo é a direita e os portugueses não devolveram o poder à direita.”, procura contribuir para um ambiente político cada vez mais hostil e uma tentativa de mexicanização do regime, onde o PS só pode substituir o PS no poder e onde só o PS pode ser governo em Portugal. Umas vez só, outras com o apoio da extrema-esquerda radical.
Ao final do dia, António Costa ficará na história como o político e o primeiro-ministro que quebrou o muro que protegia a política portuguesa do populismo, do radicalismo, da demagogia e da falta de urbanidade. Infelizmente, esse será o único legado político que poderá reivindicar após oito anos de liderança política e de governo.
A dúvida que persiste é se Portugal estará disposto a acolher este legado e a persistir com o mesmo partido que o defende, ou se aspira a uma liderança e a uma aliança orientada para uma alternativa democrática mais empenhada no diálogo construtivo e na apresentação de soluções e reformas substanciais para os desafios que se colocam ao país.
*imagem cedida por Miguel Baumgartner
Miguel Baumgartner
Gestor e Dirigente Nacional do CDS-PP