As autoridades ucranianas decidiram proibir a Igreja Ortodoxa Ucraniana ligada ao Patriarcado de Moscovo. Por questões de segurança nacional, num momento em que a Ucrânia atravessa uma fase crítica da luta contra a invasão das tropas russas, essa medida até pode parecer lógica, mas não provocará divisões profundas na sociedade ucraniana?
Num momento em que passam dois anos e meio da invasão russa da Ucrânia, a Rada Suprema (Parlamento ucraniano) aprovou por 265 votos, 39 mais do que o mínimo necessário, um projecto lei que prevê a proibição da Igreja Ortodoxa ligada ao Patriarcado de Moscovo, cujos dirigentes apoiam fervorosamente a invasão do país vizinho e são um dos meios mais importantes do Kremlin na sua política externa agressiva.
É preciso ressalvar que a lei entrará em vigor 30 dias depois da sua aprovação e as paróquias da Igreja Ortodoxa Ucraniana afiliadas ao Patriarcado de Moscovo terão nove meses para romper os laços com a igreja dirigida pelo patriarca Kirill, servo obediente do ditador Putin. O texto aprovado altera a lei sobre liberdade de consciência e organizações religiosas, visando precisamente proibir as atividades de organizações ucranianas afiliadas a centros de liderança localizados na Federação Russa.
A fim de evitar que esta nova lei não provoque divisões e confrontos sérios no seio dos ucranianos, caso ela não seja cumprida, as organizações religiosas poderão ser proibidas apenas por decisão de um tribunal a pedido do Ministério Público ou de outro órgão executivo competente.
Resumindo, na realidade, a nova lei só poderá dar resultados reais no próximo ano ou mais tarde devido à morosidade dos tribunais ucranianos.
Desejo de liberdade
A emancipação da Igreja Ortodoxa da Ucrânia em relação a Moscovo esteve sempre ligada ao sonho de independência dos ucranianos. Esse laço foi estabelecido em 1686 quando o Patriarca de Constantinopla, o primeiro entre iguais na hierarquia ortodoxa mundial, decidiu a unificação da Metropolia de Kiev com a Igreja Russa. Porém, após proclamarem a sua independência política em 1991, os ucranianos decidiram fazer o mesmo no que respeita aos laços com a Igreja Ortodoxa Russa. A 11 de Outubro de 2018, o Santo Sínodo do Patriarcado Ecuménico de Constantinopla aprovou a concessão de autocefalia (autonomia) à Igreja Ortodoxa da Ucrânia e revogou a decisão de 1686, ficando o Metropolita de Kiev dependente de Bartolomeu I, Patriarca de Constantinopla.
Esta decisão enfureceu tanto Putin como Kirill que reacção foi o corte de relações entre Moscovo e Bartolomeu I.
Com Kiev, a situação já estava muito má e piorou ainda mais quando a Igreja Ortodoxa Russa apoiou a invasão da Ucrânia por hordas russas, sublinhando que se trata de uma guerra “patriótica” e “sagrada”.
As autoridades de Kiev responderam com a entrega de algumas paróquias e templos à Igreja Ortodoxa da Ucrânia e com a detenção de clérigos ucranianos que colaboraram com os invasores russos.
Mas aqui coloca-se uma questão importante: foi oportuno, na situação difícil que a Ucrânia enfrenta, abrir uma nova frente de combate, desta vez religiosa? Considero sinceramente que não, até porque há milhares de soldados e civis ucranianos que continuam fiéis às paróquias controladas pela Igreja Ortodoxa ligada a Moscovo, mas combatem na frente pela liberdade no seu país.
A solução desta questão poderia ser adiada para depois da guerra, até porque ela também não foi recebida unanimemente pela comunidade internacional.
O Papa Francisco I declarou perante os fiéis concentrados na Praça de São Pedro, no Vaticano:
“Continuo a seguir com tristeza os combates na Ucrânia e na Federação Russa e, pensando nas leis recentemente adoptadas na Ucrânia, temo pela liberdade de quem reza, porque quem reza verdadeiramente reza sempre por todos”.
“Não se comete o mal porque se reza”, disse ele e ecrescentou: “Se alguém comete um mal contra o seu povo, será culpado por isso, mas não pode ter cometido o mal porque rezou”.
Esta decisão também caiu mal entre os conservadores norte-americanos, o que em nada contribuirá para a manutenção de boas relações entre Zelensky e Trump, caso este vença as eleições presidenciais.