Quando Donald Trump, em finais do ano passado, falou pela primeira vez no desejo de anexar o Canadá, a Groenlândia e o Canal do Panamá, pensei que o Presidente eleito estava a brincar, que se tratava de mais umas tiradas a que nos habituou.
Porém, quando ele volta a defender, numa conferência de imprensa na terça-feira, o alargamento dos interesses dos Estados Unidos e a não excluir a possibilidade de recorrer à força para conseguir alcançar os seus objectivos naquelas regiões, deixei de ter dúvidas de que os norte-americanos elegeram um louco rufia para a Casa Branca.
Vamos supor que Donald Trump recorre à força militar para anexar a Groenlândia e o Canadá. Uma das consequências mais previsíveis será o fim da Aliança Atlântica, pois o artigo 5 da Carta da NATO não poderá ser accionado, pois estamos perante três países membros dessa organização. Além do mais, ele defende o emprego da força militar para atingir objectivos políticos, económicos e geopolíticos.
Aliás, Trump abre ainda mais a “caixa de Pandora” ao justificar a política expansionista do ditador russo Vladimir Putin, que considera que a Ucrânia não pode fazer parte da NATO, pois isso iria pôr em perigo a segurança da Rússia. E se o Kremlin considerar, como já considera, que o alargamento da Aliança Atlântica aos antigos países da zona de influência soviética e, recentemente, à Finlândia e Suécia, é “ilegal”, e lançar um ultimato para que a NATO volte às fronteiras de 1991, ano da queda da União Soviética? Como irão reagir os Estados Unidos? Será que Trump irá compreender os receios de Putin?
A política externa de Trump em relação à guerra entre a Rússia e a Ucrânia aponta para o abandono dos ucranianos à sua sorte, pois parece já ser de todo evidente que Kiev será o “bode expiatório”. Em vão o Presidente da Ucrânia, Volodomyr Zelensky, tenta convencer Trump a mudar de posição.
Aliás, o dirigente norte-americano já mentiu descaradamente ao mundo quando afirmou que resolveria o conflito russo-ucraniano em “24 horas”. Afinal, ele diz precisar de meio ano. Vamos ver.
Moscovo, inicialmente muito confiante em relação a Trump, espera com expectativa a política externa do dirigente norte-americano. O Kremlin já recusou a proposta de troca “de território por paz” e da não adesão da Ucrânia, mas quer muito mais: um Estado vassalo governado por pró-russos, algo muito semelhante à Bielorrússia e o desaparecimento de Zelensky e da sua equipa da vida política ucraniana. Washington pode aceitar esse cenário em troca do apoio da Rússia no confronto com China. Os contactos entre o Kremlin e Trump já começaram.
Quanto à União Europeia, se se quiser manter viva, terá de fazer esforços titânicos na sua segurança e defesa. Se os Estados Unidos deixarem de apoiar a Ucrânia, a UE terá de saber manter-se unida. Caso contrário, poderá passar à história.
José Manuel Durão Barroso, antigo dirigente da União Europeia, tido como um dos dirigentes europeus que melhor conhece o que vai na cabeça de Putin, afirmou numa entrevista à CNN Portugal: “Baseado na minha experiência de lidar com o presidente Putin durante tantos anos, e também do conhecimento que tenho da Ucrânia, francamente não acredito, não vejo hipótese de uma verdadeira reconciliação”. Só agora chegou a essa conclusão? É pena, pois vem muito tarde. Era preciso dizer isso em 2007(Discurso de Munique de Putin), ou em 2008 (Invasão russa da Geórgia), ou 2014 (Anexação da Crimeia pela Rússia).
Depois da invasão da Ucrânia em Março de 2022, Putin rebentou com o sistema de relações internacionais existente e mergulhou o mundo num caos. Esperemos que Trump não piore ainda mais as coisas.
P.S. Acho que os habitantes da Ilha Terceira, nos Açores, deverão estar de olhos bem abertos, porque Trump pode lembrar-se da Base das Lages.
José Milhazes. Jornalista e historiador