A julgar pela propaganda russa, Portugal encontra-se nos primeiros lugares no que diz respeito ao número de mercenários portugueses que combatem do lado da Ucrânia, mas as autoridades de Moscovo têm evitado avançar com números concretos, o que leva a pensar que se trata de mais uma manobra propagandística da guerra híbrida que Putin declarou à Europa e ao mundo.
No dia 3 de Abril, a RIA-Novosti, agência oficiosa russa e um dos principais canais de propaganda e desinformação do Kremlin, publica as declarações de um oficial das tropas russas com o nome de guerra Haram: “Os combatentes russos liquidaram com lança-chamas “Shmel” um grupo de mercenários de Portugal. Eles foram liquidados no assalto à povoação de Andreevka, na República Popular de Donetsk”, e acrescenta: Eles não deixavam destruir a defesa… Ganharam dinheiro com afinco”.
E para que essas declarações pareçam mais credíveis, o oficial russo precisa: “Nos corpos queimados dos combatentes foram encontradas divisas e chapas que confirmam que foram liquidados mercenários. Nas intercessões de conversas via rápido, foi fixada a língua portuguesa”.
No passado dia 22 de Abril, a RIA-Novosti voltava ao tema e, na sua página eletrónica, publicou um artigo sobre o mesmo assunto com o seguinte título: “Muitos mercenários portugueses abatidos”.
Desta vez, a citada agência apresentou como fonte sua o “comandante do Batalhão Motorizado Nº 60 que tem o nome de guerra “Mif”” (“Mito”), que afirmou: “Na nossa frente encontrámos muitos portugueses. Sublinho que não eram dos Estados Unidos, como acontecia com os mercenários antes”.
No dia 27 de Abril, a RIA-Novosti insistia no mesmo tema, também com declarações do mesmo oficial das tropas russas. Segundo ele, os seus soldados encontraram “divisas, distintivos, bem como documentos, frequentemente queimados”. Porém, logo a seguir, o “Mito” contradiz-se ao afirmar que “os mercenários agem sem distintivos, estão equipados com armamentos da NATO”. Em que ficamos: têm ou não distintivos?
Para solidificar as suas afirmações, o oficial pormenoriza: “No fundamental eram portugueses, porque nós ouvimo-los, conhecíamo-los, sabíamos, ouvimos a língua, foram encontradas divisas. Tenho a certeza de que eram portugueses. Não sei concretamente quem são os outros, não eram americanos, não havia ninguém, mas havia portugueses. Concretamente, no território que ainda libertamos: a RPD [República Popular de Donetsk]”.
E desta vez, o “Mito” alarga a geografia da presença de mercenários portugueses no Leste da Ucrânia: “Fazemos análise, trabalhamos com o aliado que actua à esquerda e à direita. E os rapazes também registaram casos desses”.
Embora a imprensa russa venha a falar em “mercenários portugueses” desde o início da invasão da Ucrânia pelas hordas russas, ou seja, desde 2022, o facto é que as autoridades russas não apresentam números ou nomes de portugueses abatidos. A embaixada de Putin em Lisboa foi várias vezes convidada a pormenorizar esta situação, mas nada se ouve.
Os números publicados são muito gerais e não permitem calcular o número de combatentes portugueses. Por exemplo, a 22 de Outubro de 2024, a agência noticiosa oficial da Rússia: TASS afirmava que “cerca de 200 mercenários da América Latina e do Sul da Europa: espanhóis, portugueses e cubanos, combate na Legião Estrangeira ao lado das Forças Armadas da Ucrânia em Tchassov Yar”.
Apenas encontrámos na Wikipédia uma lista de 44 “mercenários lusos” mortos, fugitivos e feridos, mas nada indica que nela estejam combatentes brasileiros ou portugueses com dupla nacionalidade.
A “popularidade” dos mercenários portugueses nos últimos tempos só pode ter uma explicação: Portugal vive uma crise, está perto de mais uma campanha eleitoral e, por isso a propaganda russa tenta criar confusão entre o eleitorado português, que na sua maioria apoia a luta do povo ucraniano contra a Rússia.
José Milhazes, historiador e jornalista