Ainda é cedo para avaliar os resultados finais da operação militar na região russa de Kursk, até porque ela ainda não chegou ao fim. Porém, já se pode afirmar que se tratou não de uma acção ocasional ou preparada em cima do joelho, mas de uma operação minuciosamente preparada.
Não se pode excluir a possibilidade de os acontecimentos terem sido acelerados pela pressão do Presidente Zelensky sobre o comando ucraniano. Ele precisa de dar ânimo ao seu povo.
A entrada de tropas ucranianas em território russo apanhou os generais e políticos de Moscovo literalmente “com as calças na mão”. Tendo em conta as numerosas frentes de combate entre tropas russas e ucranianas no território da Ucrânia, o Kremlin, ou melhor, o generalato de Moscovo não esperava que Kiev ousasse fazer uma operação de invasão do seu território, acção nunca vista depois da Segunda Guerra Mundial (1941-1945).
Isto obrigou o ditador Putin a decretar o “estado de combate ao terrorismo” em três regiões fronteiriças. Todavia ele não ousou considerar o ataque uma “invasão da Rússia”, mas apenas uma “provocação em grande escala”. Isto porque se ele desse esse passo, faria figura de fraco e teria necessidade de decretar a “mobilização geral”, o que poderia provocar a destabilização da situação interna da Rússia.
Também não se pode ignorar o facto de as dimensões desta acção se deverem às divergências entre os blogers militares russos e o Ministério da Defesa. Os primeiros, ligados aos sectores ultrapatrióticos, aproveitaram a oportunidade para criticar o general Guerassimov, chefe do Estado Maior das Forças Armadas da Rússia, e exigir a sua demissão.
(Vamos aqui fazer um parêntesis para assinalar que a escolha do lugar onde transpor a fronteira russa possa ter acontecido por ele ser um dos elos fracos da defesa das tropas de Putin. As tropas ucranianas superaram rapidamente duas linhas de defesa.
Alguns blogers militares e oposicionistas afirmam que as linhas de defesa foram construídas por empresas de amigos de Putin e parte significativa do dinheiro concedido pelo Estado foi desviado).
É cedo para euforias
É inegável que a operação militar ucraniana teve forte repercussão, mas mais a nível internacional do que no interior do país agressor. Na Rússia, a propaganda televisiva e a censura na Internet (o Youtube acabou de ser proibido no país) continuam a dificultar a chegada da verdade ao cidadão comum russo. Por isso, não é expectável que se assista, a curto prazo, a uma crise política ou ao aumento do movimento russo de contestação à guerra.
Além disso, não obstante a operação na região de Kursk durar há já uma semana, é difícil acreditar que as tropas ucranianas consigam manter as posições ocupadas ou que possam chegar até à central nuclear de Kurtchatov e ocupá-la. Porém, se tal acontecer, Putin poderá ter sérios problemas com as suas elites.
O multimilionário russo Oleg Deripaska, provavelmente manifestando a posição de outros ex-oligarcas, caracterizou a invasão da Ucrânia como uma “loucura” e apelou ao cessar-fogo imediato e incondicional”.
“Se queres parar a guerra, é preciso, antes de tudo, que cesses os combates” – acrescentou.
Ainda é cedo para euforias entre aqueles que querem ver nesta operação um ponto de viragem na guerra entre a Ucrânia e a Rússia. O Presidente Zelensky considera que ela é uma “resposta justa” à agressão russa, mas para ele é uma operação de enorme risco. Os seus adversários políticos dentro e fora do país esperam para ver os resultados finais dela. Em caso de derrota ucraniana, ele poderá ser acusado de ter ordenado uma operação suicida com algumas das suas melhores brigadas.
José Milhazes, jornalista e historiador