Com a nomeação de Donald Trump como Presidente dos Estados Unidos da América (EUA), a comunidade global entrou em sobressalto, sem saber o que se avizinhava no futuro próximo. Algumas das suas decisões têm sido estruturais, não só para os EUA, mas também para o mercado global, uma vez que, enquanto potência hegemónica, as decisões tomadas pelos EUA têm impacto direto nas empresas de todo o mundo. Mas que impacto podem ter estas tarifas e “taxinhas” de Donald Trump na indústria tecnológica europeia?
É certo que a rivalidade entre as duas grandes potências — os Estados Unidos e a China — já não se limita ao comércio de bens tangíveis. As tarifas aplicadas nos últimos anos, que anteriormente incidiam sobre setores tradicionais como o aço ou a agricultura, afetam agora diretamente o centro da economia digital: chips, software, servidores e dados. As consequências são reais para as empresas europeias, que se veem cada vez mais pressionadas a rever decisões tecnológicas sob o olhar atento de uma nova lente — a geopolítica.
À medida que as tarifas aumentam, dificulta-se o acesso a componentes críticos e pressionam-se as cadeias de abastecimento, levando as organizações na Europa a enfrentar um novo dilema: manter os fornecedores não europeus, altamente eficientes, mas expostos a riscos regulatórios e políticos crescentes, ou apostar em alternativas locais, muitas vezes menos maduras e mais dispendiosas. Esta realidade compromete os investimentos em inovação e coloca em risco uma dimensão frequentemente subestimada: a cibersegurança.
Em cenários de orçamentos limitados, é comum observar-se a redução ou o adiamento de investimentos em ferramentas e infraestruturas de proteção digital. Como muitos profissionais da área defendem, o orçamento dedicado à segurança só é desbloqueado quando a organização se encontra perante um incidente crítico que coloca em causa a continuidade do negócio. Contudo, é importante perceber que esta abordagem contraria os princípios do Regulamento DORA (Resiliência Operacional Digital) e da Diretiva NIS 2, que exigem um reforço contínuo da segurança desde o design, a diversificação dos fornecedores críticos e a proteção de toda a cadeia digital — sob pena de incumprimento legal e regulatório.
Esta tensão comercial entre os EUA e a China poderá ser o prenúncio de uma fragmentação digital à escala global. O mundo parece caminhar para dois ecossistemas tecnológicos distintos: um sob liderança americana, outro sob influência chinesa. Esta divisão cria barreiras técnicas, jurídicas e de interoperabilidade, dificultando a partilha internacional de inteligência sobre ciberameaças. Para empresas e instituições europeias, este cenário representa um desafio concreto à capacidade de resposta coordenada a incidentes de segurança, pondo em causa obrigações explícitas da NIS 2 no que respeita à cooperação transfronteiriça e à comunicação célere com as autoridades competentes.
No meio deste novo xadrez político, torna-se urgente à União Europeia definir a sua posição quanto à soberania digital. Estará a Europa preparada para pagar o preço da sua autonomia tecnológica?
No final, o que está em causa não é apenas a segurança dos dados, mas a própria autonomia estratégica da Europa. Em vez de reagir aos movimentos de Washington ou de Pequim, a União Europeia tem a oportunidade de traçar um caminho próprio — investindo na inovação local, reforçando as parcerias dentro do espaço europeu e tratando a cibersegurança não apenas como uma obrigação regulatória, mas como parte integrante da sua política externa e industrial.
A guerra comercial pode parecer distante das tecnologias e da cibersegurança. Mas, num mundo em que — como disse Clive Humby — “os dados são o novo petróleo”, cada tarifa é também uma linha de código no futuro da segurança digital europeia.
Artigo de Opinião por Leonardo Calçada