Populações mais pobres estão mais sujeitas às alterações climáticas. Por sua vez, as alterações climáticas tornam estas populações ainda mais pobres e vulneráveis. Como sair deste ciclo vicioso?
Embora todos estejam em risco, as comunidades mais vulneráveis são as que sofrem os impactos mais devastadores das alterações climáticas nestes dias em que os termómetros atingem os píncaros. As populações mais pobres, pessoas deslocadas, idosos, crianças, pessoas com deficiências, grávidas e trabalhadores ao ar livre enfrentam riscos elevados, agravando ainda mais as desigualdades sociais seja com o calor elevado, seja com o frio extremo, seja com inundações devastadoras. Em muitos países, recursos essenciais como ar-condicionado, água potável e áreas verdes são luxos inacessíveis para os mais pobres, exacerbando o sofrimento dessas populações durante ondas de calor extremo.
Em países em desenvolvimento, onde a infraestrutura é mais precária e os recursos são escassos, as comunidades têm menos capacidade para se proteger dos impactos do calor extremo. Estas populações enfrentam uma dupla penalização: são as menos responsáveis pelas emissões de gases com efeito de estufa, mas acabam por ser as mais atingidas pelas suas consequências. Sem recursos financeiros, nem sistemas de segurança social adequados para investir em medidas de adaptação, estas comunidades ficam expostas a riscos que as populações mais ricas conseguem evitar.
Mas mesmo dentro de países desenvolvidos, as desigualdades são evidentes. Nas zonas urbanas, os bairros de menores rendimentos tendem a ter menos áreas verdes e mais superfícies pavimentadas, o que contribui para o fenómeno das ilhas de calor, onde as temperaturas são significativamente mais altas.
Além disso, os custos associados ao uso contínuo de ar-condicionado, cada vez mais necessário para enfrentar o calor extremo, são um fardo difícil de suportar para as famílias de baixos rendimentos, que muitas vezes têm de escolher entre o conforto térmico e outras necessidades básicas, como alimentação e saúde. Esta realidade cria um cenário em que o calor extremo não só ameaça a saúde física, mas também agrava a desigualdade económica e social.
Todo este fenómeno também fragiliza as economias, acelera a desertificação, afeta a biodiversidade e provoca a morte de um número crescente de pessoas. As regiões que já enfrentam dificuldades socioeconómicas são, novamente, as que mais sentem o impacto, criando um ciclo vicioso que perpetua a pobreza e a vulnerabilidade.
As alterações climáticas estão a criar um mundo mais perigoso para todos. De acordo com a ONU, estima-se que 2,41 mil milhões de trabalhadores no mundo estão expostos a calor excessivo, o que representa cerca de 70% da população ativa, daí resultando em 18.970 mortes por ano.
Entre 2000 e 2019, registaram-se cerca de 489 mil mortes anuais relacionadas com o calor, 45% das quais na Ásia e 36% na Europa. Além disso, a exposição ao calor resultou em perdas económicas significativas, com uma perda estimada de 863 mil milhões de dólares em 2022 devido à redução da capacidade de trabalho.
Na primeira metade do ano, vários países enfrentaram as consequências do calor extremo: mortes na Arábia Saudita e na Índia, alertas de insolação no Japão, encerramento de escolas no Bangladesh e nas Filipinas e novos recordes de temperatura nos Estados Unidos.
Cientistas em todo o mundo continuam a alertar para o facto de que o calor extremo é um dos efeitos mais visíveis das alterações climáticas. De acordo com especialistas, para evitar catástrofes ainda maiores, é urgente conter o aumento da temperatura global abaixo de 1,5°C. Sem uma ação global decisiva para reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, a tendência de aumento das temperaturas irá persistir, agravando ainda mais a situação.
A solução quase consensual passa por um esforço conjunto para alcançar a neutralidade carbónica, reduzindo drasticamente as emissões e investindo em medidas de adaptação que protejam as populações mais vulneráveis. Mas entre as palavras e as ações ainda há um grande fosso. E o tempo para agir está a esgotar-se e a inação poderá conduzir-nos a um futuro insuportável, em que o calor extremo se torne não apenas uma ameaça à saúde pública, mas também à própria sobrevivência da humanidade.