Quer perceber como é que os gases com efeito de estufa provenientes das atividades humanas estão a alterar o clima? Basta sair à rua e sentir o calor excessivo. Seja em que ponto do globo estiver, é quase certo que estará uma temperatura superior ao habitual.
Durante 14 meses consecutivos foram registados no planeta recordes de temperatura média a nível global. Aconteceu de junho de 2023 até julho de 2024. A conclusão retira-se a partir do cruzamento de dados da agência dos EUA para os Oceanos e a Atmosfera (NOAA, na sigla em inglês) e do Serviço de Monitorização das Alterações Climáticas Copernicus da União Europeia.
Em julho, a temperatura global esteve 1,21°C acima da média do século XX (15,8°C), segundo a agência norte-americana. Nesse mesmo mês, tiveram mesmo lugar os dois dias mais quentes no mundo desde que há registos, a 22 e 23 de julho.
A Organização Meteorológica Mundial avisa que estes dados não são uma exceção; são mais uma indicação de como os gases com efeito de estufa provenientes das atividades humanas estão a alterar o clima.
“Ondas de calor generalizadas, intensas e prolongadas atingiram todos os continentes no ano passado. Pelo menos dez países registaram temperaturas diárias superiores a 50° C (graus celsius) em mais do que um local. Isto está a tornar-se demasiado quente para se aguentar”, afirma a secretária-geral da OMM, Celeste Saulo.
O ano de 2024 estará definitivamente entre os cinco anos mais quentes, segundo a NOAA, cujos dados remontam a 175 anos.
E, neste momento, 2024 tem 77% de probabilidade de ser o mais quente alguma vez registado, frisa a NOAA.
O intenso calor que se tem sentido nos últimos meses provocou “impactos devastadores” em centenas de milhões de pessoas.
Por regiões e países, os indicadores fazem todos soar todos os alarmes. A temperatura média mensal do Japão em julho foi a mais elevada de que há registo instrumental desde 1898 (2,16 °C mais quente do que a média japonesa de julho de 1991-2020), batendo o recorde estabelecido no ano passado. Prevê-se que o calor intenso continue em todo o país durante o mês de agosto. Nos últimos dias, as temperaturas máximas diárias subiram para mais de 38 °C em muitas estações meteorológicas e a temperatura média mensal em 62 das 153 estações meteorológicas de todo o país foi a mais elevada alguma vez registada em julho, segundo a Agência Meteorológica do Japão. A agência aconselhou a população a prestar atenção às previsões de temperatura e aos alertas de insolação e a tomar as medidas adequadas para evitar a insolação.
Na China, julho foi o mês mais quente de que há registo (dados abrangentes desde 1961) e o calor prossegue em agosto, com temperaturas máximas diárias superiores a 40 °C em muitos locais do leste do país, de acordo com a Administração Meteorológica da China.
A Índia teve o segundo mês de julho mais quente de que há registo, com as temperaturas mínimas noturnas a serem as mais quentes de que há registo (desde 1901), de acordo com o Departamento Meteorológico da Índia.
Tanto o Paquistão como o Irão sofreram ondas de calor repetidas, tendo este último país sido obrigado a encerrar as escolas devido ao calor.
Em África, durante o mês de julho, Marrocos registou duas vagas de calor consecutivas com temperaturas recorde. A segunda vaga de calor, de 22 a 25 de julho, foi particularmente intensa, atingindo 41,7°C em Nouasseur e 47,6°C em Marraquexe. Chefchaouen bateu o seu recorde de temperatura em julho com 43,4°C a 19 de julho de 2024.
Esta situação seguiu-se a um início de mês invulgarmente frio. O contraste súbito entre temperaturas frescas e calor extremo intensificou o stress térmico dos habitantes.
Na Europa, muitas zonas do Mediterrâneo e dos Balcãs foram atingidas por vagas de calor prolongadas em julho, causando vítimas e afetando a saúde pública. Um efetuado por cientistas da World Weather Attribution afirma que a vaga de calor no Mediterrâneo – Grécia, Itália, Espanha, Portugal, França e Marrocos – não teria ocorrido sem as alterações climáticas induzidas pelo homem.
Vários países, incluindo a Grécia, a Hungria, a Eslovénia, a Croácia e a Bulgária, registaram o mês de julho mais quente de que há registo. Nos últimos 4 anos, a Grécia registou 3 dos 4 meses de julho mais quentes dos últimos 80 anos, pelo menos.
Em Espanha, o Observatório Fabra de Barcelona, oficialmente reconhecido como estação de observação de longo prazo centenária pela OMM, registou um novo recorde de temperatura máxima de 40,0 ºC.
A França não teve um mês excecional, mas registou a sua primeira vaga de calor do ano no final do mês, com impacto no bem-estar dos atletas e espectadores dos Jogos Olímpicos de Paris.
Na América do Norte, nos EUA, cerca de 165 milhões de pessoas (metade da população dos EUA) estavam sob alerta de calor em 1 de agosto. Durante uma sequência de 30 dias, foram batidos mais de 80 recordes de temperatura, de acordo com a Administração Nacional Atmosférica e Oceânica dos EUA.
Foi medida uma temperatura média mensal de 42,5 °C em Furnace Creek/Death Valley (Vale da Morte), o que constitui um recorde para o local e possivelmente para o mundo. O Vale da Morte é considerado o local mais quente do planeta, tendo a temperatura diária mais elevada, 56,7 °C, sido observada em 10 de julho de 1913, de acordo com o Arquivo de Extremos Meteorológicos e Climáticos da OMM.
Em 1 de agosto, Las Vegas estabeleceu um novo recorde de 43 dias consecutivos com temperaturas máximas de 40,5 °C ou superiores (o recorde anterior era de 25 dias em 2017).
Em 2 de agosto, havia 94 grandes incêndios florestais ativos em todo o país, nos EUA, que queimaram mais do que a média de 10 anos no período de 2014-2023.
As condições quentes e secas, juntamente com os relâmpagos, contribuíram para os incêndios. Em 3 de agosto, 829 incêndios ardiam ativamente no Canadá, incluindo mais de 250 fora de controlo. A Colúmbia Britânica e Alberta foram especialmente afetadas, de acordo com o Centro Interagências de Incêndios Florestais do Canadá. Na Colúmbia Britânica, mais de 800 mil hectares arderam em 2024, quase o dobro da média de 20 anos. Os anos de topo ocorreram todos desde 2017 nesta província.
Na América do Sul, onde agora é inverno, alguns países registaram temperaturas mais típicas do verão. Temperaturas acima de 30°C, e mesmo acima de 35°C, em partes da Bolívia, Paraguai, sul do Brasil, Uruguai e norte da Argentina são incomuns para esta época do ano, com anomalias de até 10°C, e às vezes até mais altas. O Serviço de Monitorização Atmosférica Copernicus afirmou que a Bolívia e a Amazónia brasileira enfrentam uma atividade de incêndios sem precedentes.
Em contrapartida, durante a primeira quinzena de julho, um frio invulgar afetou algumas partes do continente. No sul do Peru, a neve pesada fez desmoronar muitas casas e edifícios. O frio também causou mortes na Argentina e no Chile. Temperaturas frias, que chegaram a -6 °C em 9 de julho, afetaram também o sul do Brasil e o Uruguai.
De acordo com o Serviço de Monitorização das Alterações Climáticas do Copernicus, também a Antártida se debateu com temperaturas muito acima da média, com anomalias superiores a 10°C acima da média em algumas zonas e temperaturas acima da média em partes do Oceano Antártico.
Ainda que a variabilidade climática natural possa ter um papel importante, anomalias de temperatura tão elevadas, como superiores a 10.ºC na Antártida, são invulgares.
A extensão diária do gelo marinho na Antártida em junho de 2024 foi a segunda mais baixa de que há registo, depois de 2023, de acordo com o Centro Nacional de Dados sobre a Neve e o Gelo dos EUA.
Sinais atrás de sinais de que o clima do planeta está a mudar, à conta da influência humana. E não é para melhor.