
Ninguém, mas mesmo ninguém podia prever que, algum dia, um político tão incompetente e autoritário, um mentiroso compulsivo, conquistasse o cargo de Presidente da maior potência mundial.
Mas isto é um facto. E se ainda havia dúvidas, o encontro de Donald Trump com o seu homólogo ucraniano, realizado na passada sexta-feira, é mais uma revelação das “qualidades brilhantes” deste político sinistro.
Um dirigente minimamente responsável respeitaria as mais elementares normas da diplomacia, mas isso não voltou a acontecer. Ainda antes do encontro com Volodomyr Zelensky, embora todas as atenções da imprensa estivessem centradas na cimeira, Trump decidiu encontrar-se na Casa Branca com o cantor italiano Andrea Bocelli. Isto provocou um atraso na agenda, o que só pode significar uma humilhação de Zelensky.
A diplomacia, tanto mais em temas tão sensíveis como guerras, requer recolha e silêncio, mas o líder norte-americano quer show e organizou uma conversa com Zelensky perante a imprensa americana e estrangeira, onde revelou matérias que deveriam ser discutidas apenas no encontro. O exemplo da recusa de Tomahawk à Ucrânia é o exemplo mais importante disso.
Donald Trump muda de opinião tão rapidamente que é impossível acreditar nas suas palavras. Vladimir Putin sabe que é assim, pede uma conversa telefónica com Trump e consegue fazer com que as “posições duras” que anunciára na véspera sejam completamente esquecidas. Pelos vistos, Trump estará convencido de que é um “King” e de que pode fazer o que lhe dá na real gana. Veja-se a forma como ele reagiu às numerosas manifestações da oposição norte-americana. Um autocrata ridículo que só tem paralelo num ditador africano do nível de Jean Bocassa, o canibal da monarquia centro-africana.
Além do mais, Trump é vingativo, gosta de humilhar as pessoas, instinto incentivado pelos numerosos bajuladores norte-americanos e europeus. Estes ainda não compreenderam que é impossível satisfazer o narcisista, pois ele quer sempre mais elogios e obediência cega. Aliás, os políticos norte-americanos que o rodeiam e alguns europeus não param de “lhe dar mais corda”.
Um político minimamente sensato não aceitaria encontros com Putin como aquele que ocorreu no Alasca ou como aquele que vai acontecer em Budapeste. Trump foi enganado no primeiro e vai ser enganado no segundo, porque ele voltará a cair no ridículo de acreditar no seu homólogo russo. No campo da demagogia, o ditador russo não lhe fica atrás. Aliás, existem numerosos traços comuns em ambos e Trump copia o percurso político de Putin para eternizar-se no poder.
A táctica russa é igualmente clara. Um dos analistas da central de propaganda russa Ria-Novosti não esconde: “Donald Trump não precisa de um trabalho sistemático e persistente na Ucrânia, com o objetivo de eliminar permanentemente o potencial de conflito que se acumulou naquele país, levando a uma grande guerra. Nós é que precisamos disso. Trump precisa de um impulso de relações públicas rápido e apelativo — e, depois, seja o que deus quiser. Para confirmar a sua pretensão a ser o principal pacificador do mundo. Para cumprir a sua promessa de campanha de acabar com a guerra de Biden. Para afirmar o seu estatuto como líder do mundo ocidental, que está atualmente em disputa”.
Nesta situação, a Ucrânia e o povo ucraniano irão ser os bodes expiatórios neste processo, humilhados de forma idêntica ao que aconteceu com a Polónia em 1940, pelo pacto de Molotov-Ribbentrop. O maior país europeu irá ser obrigado a ceder território ao invasor. Se tal acontecer, essa tragédia não ficará por aí, a não ser que algo de extraordinário ocorra na Rússia.
E a Europa também irá pagar muito caro por não ter atempadamente apoiado a independência da Ucrânia, reduzindo, muitas vezes, a palavras iniciativas urgentes. Tempos difíceis nos esperam.
José Milhazes, historiador e jornalista
