Numa altura de grandes movimentações diplomáticas, todos: Estados Unidos, Rússia, União Europeia, Ucrânia e a maioria dos países do mundo juram querer a paz na Ucrânia, mas o problema mais complicado continua a ser a resposta à pergunta: “Que paz?”.
Isto se os políticos quiserem uma paz sólida e duradoura e não um cessar-fogo instável, em que os países beligerantes se irão aproveitar dessa situação para se reorganizarem e rearmarem.
Até agora há propostas de paz para todos os gostos, mas são muito pouco concretas. Donald Trump, Presidente dos Estados Unidos, quer um rápido cessar-fogo e a paz, mas ainda não ouvimos ou lemos as suas propostas com vista a conseguir esse objectivo. O Presidente francês, Emmanuel Macron, propõe um cessar-fogo com a duração de um mês que não diria respeito aos combates no terreno. Quanto à presença de tropas europeias na Ucrânia, ele deixa essa decisão para mais tarde.
As propostas russas continuam a ser as mesmas e exigirão cedências muito duras. Por exemplo, a não adesão da Ucrânia à NATO é já um facto consumado, mas como irão reagir os Estados Unidos e a Ucrânia à exigência de cedência pelos ucranianos dos territórios de quatro regiões da Ucrânia: Luhansk, Donetski, Kerson e Zaporíjia, parte dos quais ainda estão nas mãos dos ucranianos? E como irão eles reagir se o Kremlin apresentar outras exigências?
Passo a recordar o que a Rússia exigia num ultimato apresentado aos Estados Unidos em Novembro de 2021:
. No primeiro artigo, Moscovo propõe que os Estados Unidos aceitem agir com base nos princípios da segurança indivisível e igualitária, sem prejuízo da segurança uns dos outros, para os quais se propõe assumir obrigações mútuas e de não tomar medidas que afetem a segurança da outra parte. As Partes não devem utilizar o território de outros Estados para preparar ou realizar um ataque armado contra a Rússia ou os Estados Unidos. Os Estados Unidos devem comprometer-se a excluir uma maior expansão da NATO na direção oriental, a recusar-se a admitir na aliança Estados que anteriormente faziam parte da URSS. Este requisito aplica-se, pelo menos, à Ucrânia e à Geórgia, que falam constantemente sobre o seu desejo de se tornarem membros da aliança.
Os Estados Unidos não devem criar bases militares no território de Estados que anteriormente faziam parte da URSS e não são membros da NATO, bem como utilizar as suas infraestruturas para conduzir qualquer atividade militar e desenvolver cooperação militar bilateral com eles.
A Rússia propõe também renunciar mutuamente à instalação de forças armadas e armas, incluindo no âmbito de organizações internacionais, alianças militares ou coligações, em áreas onde tal destacamento seja visto pela outra parte como uma ameaça à sua segurança nacional, bem como abster-se de voos de bombardeiros pesados equipados com armas nucleares ou não nucleares, e da presença de navios de guerra de superfície de todas as classes em áreas fora do espaço aéreo nacional e fora dele águas territoriais nacionais, de onde podem atingir alvos no território da Rússia ou dos Estados Unidos.
A Rússia também propôs voltar ao princípio de se abster de implantar mísseis terrestres de alcance médio e curto fora do território nacional.
Moscovo considera igualmente necessário excluir a instalação de armas nucleares fora do território nacional.
Ou seja, no fundo, Moscovo exige muito mais do que os territórios ucranianos.
Por isso, os russos querem não só conversações sobre a paz na Ucrânia, mas também sobre a arquitectura de segurança do Velho Continente. Por isso, a solução do conflito irá passar por aturadas e difíceis conversações entre a Rússia e os Estados Unidos .
Humilhação preparada
A humilhação a que foi sujeito o Presidente ucraniano, Volodomyr Zelensky, na Casa Branca não contribuiu certamente para reforçar as posições de Kiev nas conversações de paz. É verdade que Trump ficou satisfeito com o “lamento” de Zelensky pelo sucedido, embora isso não seja um pedido de desculpa, mas a julgar pelas declarações de do líder americano, a Ucrânia terá de pagar, e muito, pela sua sobrevivência territorial e política. O rufia norte-americano e a sua pandilha parecem dispostos a trocar esse país por “um prato de lentilhas” russas: acordos económicos.
Numa conversa com uma pessoa chegada há dias da linha da frente na Ucrânia, ele contou-me que os ucranianos não se deixam apoderar pelo pânico e continuam a lutar pela independência do seu país, com ou sem o apoio dos Estados Unidos. Não há dúvida que esse estado de espírito é importante num momento em que a Ucrânia vê perigar a sua existência como estado independente, mas isso é insuficiente para travar o avanço das tropas russas. Tanto mais quando Trump anunciou a suspensão do fornecimento de armamentos às tropas ucranianas.
Sejamos realistas! Por muito que doa, é preciso constatar que a Europa em geral e a União Europeia em particular só agora é que começam a despertar para a sua defesa e segurança. Caíam em saco roto os apelos dos vizinhos europeus da Rússia de Putin para se preparem para a defesa da Europa. As palavras do ditador do Kremlin na Conferência de Munique e actos como a invasão da Geórgia, em 2008, e a ocupação da Crimeia, em 2014, não foram suficientes para mostrar que o autocrata russo se estava a aproveitar do enfraquecimento da Europa e dos Estados Unidos para realizar a sua política externa expansionista e imperial.
Agora a Europa tenta ganhar o tempo perdido, mas de forma atabalhoada. No lugar de planearem primeiro o que é preciso fazer e adquirir para que a Europa e a NATO se rearmem, anunciam somas gigantescas de euros, sem se saber muito bem aonde é que os países vão buscar esse dinheiro. Além do mais, a Europa necessita de uns bons anos para conseguir fabricar os armamentos necessários. A alternativa é ir comprar alguns nos Estados Unidos, iniciativa que irá agradar a Trump.
Elon Musk, um dos inspiradores de Trump, considera que os Estados Unidos devem abandonar a ONU e a NATO. O desaparecimento das Nações Unidas poderá não provocar grandes prejuízos tal é a sua fraqueza, mas a saída da NATO deixará, durante uns anos, uma Europa militarmente fraca perante uma Rússia rearmada até aos dentes.
Nesta situação, a União Europeia deverá recorrer ao apoio de grandes países como a China, Índia, o continente latino-americano e África, diversificando os seus contactos em todas as áreas.
José Milhazes
Historiador e jornalista