As alterações climáticas vão forçar ainda mais pessoas a saírem das suas terras, criando uma crise humanitária ainda maior. Os próprios campos de refugiados vão enfrentar condições de vida piores.
Muitos dos migrantes que se lançam, com risco de vida, à procura de uma melhor vida nunca pensaram que a sua terra natal se tornaria inabitável. Fogem com a sua família de guerras, perseguições, pobreza e de um clima inóspito. Muitos acabam presos num campo de refugiados, onde temperaturas sufocantes e falta de água tornam a vida uma luta diária. Segundo um novo relatório do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), até 2050, a maioria dos campos de refugiados enfrentará o dobro dos dias de calor extremo, expondo ainda mais as populações deslocadas a condições insuportáveis.
Num mundo onde mais de 120 milhões de pessoas já foram forçadas a fugir de guerras, violência e perseguições, as alterações climáticas emergem como um novo fator de deslocação, empurrando comunidades vulneráveis para o limite. Três quartos dessas pessoas vivem em países que são simultaneamente zonas de conflito e de elevado risco climático. A combinação é devastadora, deixando estas populações sem um refúgio seguro. Países como Etiópia, Haiti, Myanmar, Somália, Sudão e Síria são exemplos deste fenómeno, onde conflitos armados e eventos climáticos extremos criam uma tempestade perfeita.
Clima e conflito
O relatório “Sem Fuga: Na Linha da Frente das Alterações Climáticas, Conflitos e Deslocações Forçadas – até 2040”, elaborado pelo ACNUR em parceria com 13 organizações, revela uma realidade inquietante: os choques climáticos estão a intensificar os conflitos, e vice-versa. O Sudão, por exemplo, além de enfrentar uma guerra interna devastadora, sofre com inundações recorrentes que forçam ainda mais deslocações. No Chade, que já acolhe refugiados há décadas, as condições climáticas extremas agravam uma situação já insustentável.
Grace Dorong, uma ativista climática e antiga refugiada do Sudão do Sul, reflete sobre esta crise crescente: “Na nossa região, vemos os efeitos das alterações climáticas diante dos nossos olhos. O calor extremo, as secas prolongadas, e agora, as enchentes, empurram as pessoas para uma fuga sem fim”. Se os decisores políticos não agirem, a crise dos refugiados irá intensificar-se dramaticamente, colocando uma pressão insuportável nas já frágeis infraestruturas dos países de acolhimento.
Outro exemplo é de Myanmar, onde 72% dos refugiados procuraram segurança no Bangladesh, país cujos riscos naturais, como ciclones e inundações, são classificados como extremos.
Financiamento desigual
A injustiça climática é profunda e estrutural. De acordo com o ACNUR, os países frágeis, que abrigam grande parte dos deslocados, recebem apenas 2 dólares por pessoa em financiamento anual para adaptação às alterações climáticas — um valor miseravelmente baixo comparado aos 161 dólares atribuídos aos países não frágeis. E quando esse financiamento chega, mais de 90% é canalizado para as capitais, deixando as regiões rurais — onde muitos refugiados se encontram — quase sem apoio.
O alto-comissário das Nações Unidas para os Refugiados, Filippo Grandi, não esconde a sua frustração: “As pessoas forçadas a fugir e as comunidades que as acolhem são as menos responsáveis pelas emissões de carbono, mas pagam o preço mais elevado. Os milhões de dólares em financiamento climático nunca lhes chegam e a ajuda humanitária está longe de ser suficiente para cobrir o fosso crescente”.
Um futuro sem refúgio?
Se nada for feito, o cenário traçado é alarmante. Sem recursos e apoio adequados, milhões de pessoas ficarão presas neste ciclo vicioso. À medida que o planeta aquece, os campos de refugiados podem tornar-se em armadilhas climáticas. O ACNUR apela a um aumento urgente do financiamento para adaptação climática, garantindo que esses fundos cheguem realmente às comunidades mais necessitadas e não se percam nos corredores burocráticos.
A crise climática e a crise de refugiados estão a convergir, tornando-se num dos maiores desafios humanitários do século XXI. A solução, defende o ACNUR, passa por uma abordagem integrada que envolva tanto a mitigação dos impactos climáticos como o reforço da resiliência das comunidades deslocadas. Sem isso, o mundo enfrentará não apenas uma crise de refugiados, mas um colapso humanitário de proporções sem precedentes.