Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável entende que nova Lei dos Solos vai contra a urgência de recuperar os solos para minimizar as alterações climáticas.
O governo avançou com um Decreto-lei (de 30 de dezembro de 2024) para permitir a construção de habitação em terrenos rústicos, mas agora o Conselho Nacional do Ambiente e do Desenvolvimento Sustentável (CNADS) deu parecer negativo ao documento.
Quando anunciou a decisão, o Governo mencionou a possibilidade de construção em solos classificados como rústicos e solos que têm classificação como Reserva Ecológica Nacional (REN) e Reserva Agrícola Nacional (RAN), apesar de ter afirmado que são salvaguardadas as “suas zonas mais críticas”.
No parecer aprovado por unanimidade, o CNADS exibe, contudo, várias reservas, entre as quais o facto de a proposta do Governo revelar “uma visão de ‘fazer cidade’ anacrónica, incompatível com as prioridades e os desafios das sociedades contemporâneas face ao desenvolvimento sustentável”.
Segundo o CNADS tem havido nos últimos anos (com exceções pontuais e retóricas) uma perda de relevância política e institucional das políticas de ordenamento do território e urbanismo/cidades, “em face da gravidade dos efeitos de ocorrências extremas, como incêndios, cheias ou deslizamentos de vertentes”.
Na sua redação atual, “o diploma vai frontalmente contra as orientações estratégicas e a legislação da Comissão Europeia no domínio ambiental e agrícola, e contra as políticas conexas ratificadas por Portugal na sequência das Convenções Quadro das Nações Unidas (alterações climáticas, biodiversidade, desertificação), que pressupõem a não degradação da terra, a proteção do solo para fins agrícolas e a urgência no esforço de recuperação dos solos como estratégia de minimizar as alterações climáticas”.
“O Decreto-Lei 117/2024 vai frontalmente contra as orientações estratégicas e a legislação emanadas da Comissão Europeia, nomeadamente o Pacto Verde Europeu, a Lei Europeia de Restauro da Natureza, a Lei Europeia de Monitorização dos Solos, a estratégia para os solos expressa no Pacto para o Solo na Europa e o Tratado Kunming-Montreal, que priorizam a preservação dos solos e da biodiversidade. As metas aí previstas implicam que seja liminarmente suspensa a impermeabilização de mais solo para construção, a qual deverá limitar-se aos solos já urbanizados ou em vias de urbanização”, afirma este parecer.
“Os solos rústicos são necessários para assegurar produção agrícola e florestal, mas também para garantir a infiltração da água, a qual vai alimentar os lençóis freáticos, assegurar a captação e fixação de CO 2 , que é essencial para mitigar os efeitos das alterações climáticas, e preservar as reservas de biodiversidade, que permitem manter o equilíbrio dos ecossistemas. Além disso, o licenciamento de operações urbanísticas em solos rústicos pode levar à fragmentação de terrenos agrícolas e de corredores ecológicos, à destruição de florestas e à necessidade de infraestruturas adicionais, agravando o impacto ambiental e aumentando os custos públicos”, prossegue o CNADS.
O diploma analisado pela CNADS abre também a possibilidade de construção em Áreas Classificadas (áreas protegidas integradas na Rede Nacional de Áreas Protegidas, áreas classificadas que integram a Rede Natura 2000 e demais áreas classificadas ao abrigo de compromissos internacionais assumidos pelo Estado Português), desde que esses solos não tenham habitats prioritários e não estejam sob regimes de proteção, “o que contraria a Convenção da Diversidade Biológica e a obrigação que Portugal tem de proteger 30% do seu território até 2030, bem como a Diretiva Habitats e a Convenção de Berna”.
O Decreto-Lei n.º 117/2024 vai assim “contra todas as políticas europeias e internacionais recentemente ratificadas por Portugal na sequência da Convenção Quadro das Nações Unidas para a Biodiversidade e Ecossistemas (COP15), para as Alterações Climáticas (COP29) e para o Combate à Desertificação (COP16), as quais pressupõem”, entre outros “a urgência nos esforços de recuperação das terras para fazer face à insegurança alimentar, às alterações climáticas, à perda de meios de subsistência, à poluição do ar e da água, e à perda de biodiversidade”.
Ao contrário da visão subjacente ao Decreto-Lei, “deve considerar-se que o solo constitui um reservatório de carbono orgânico, com uma capacidade de cerca de três vezes superior à da vegetação terrestre, cuja degradação urge reverter, adotando práticas de gestão que permitam usá-lo para a mitigação e adaptação às alterações climáticas”, aponta esta entidade.
Neste sentido, “e de acordo com as recomendações saídas das três COP acima referidas, é necessário valorizar as potencialidades do solo, salvaguardando a sua qualidade e a sua funcionalidade ambiental, económica, social e cultural enquanto suporte físico, fonte de matérias-primas e de produção de biomassa, reservatório de carbono e reserva de biodiversidade”.
A avaliação negativa do CNADS é mais uma apreciação negativa da mudança da lei, que juntou contra ela a generalidade das organizações ambientalistas, mas também especialistas em gestão territorial.
Logo em dezembro, 16 organizações ligadas ao ambiente condenaram a alteração da lei, como fariam depois especialistas do Laboratório Associado TERRA, uma organização que junta mais de 400 investigadores das universidades de Lisboa e Coimbra, ou a Ordem dos Arquitetos, ou centenas de outros especialistas e antigos governantes, alguns do PSD, um dos partidos que agora suportam o Governo.