
China de XI quer mostrar que pode ser o centro da multipolaridade nas relações internacionais; Rússia de Putin pretende provar que não está isolada e sozinha no mundo e a Índia de Modi aproveitou o momento para bater o pé aos Estados Unidos. Haverá melhor exemplo do que é a “diplomacia” de Donald Trump?
Há mais de 25 anos atrás, era muito difícil de imaginar que uma organização regional como a Organização de Cooperação de Xangai (OCX) se transformasse num centro com pretensões a criar um dos pólos da multipolaridade nas relações internacionais.
A Organização de Cooperação de Xangai nasceu como um mecanismo para garantir a segurança e o desenvolvimento económico dos países da Ásia Central que surgiram em 1991-1992 sobre as ruínas da URSS. Ou seja, tratava-se apenas de uma espécie de ASEAN para a Ásia Central – com a importante diferença de que esta região sem saída para o mar faz fronteira em milhares de quilómetros com dois grandes vizinhos – Rússia e China, que se juntaram um pouco mais tarde à organização e passaram a dirigir o processo de alargamento da OCX a novas regiões do globo.
A ultima cimeira, realizada na China, veio confirmar que se tornou numa plataforma importante para a formulação conjunta de normas internacionais por Pequim e Moscovo.
“Governação global”
Como já se previa, a cimeira dos países da Organização de Cooperação de Xangai foi principalmente um evento para Pequim apresentar-se como um símbolo de solidariedade entre os países do Sul Global em oposição à “hegemonia” dos Estados Unidos da América. Este foi o foco dos discursos de Xi Jinping e Vladimir Putin na reunião alargada de 1 de setembro.
Sem nunca mencionar os Estados Unidos ou o seu líder Donald Trump, Xi afirmou que “os modelos de governação global estão numa encruzilhada” e apresentou uma iniciativa para criar conjuntamente um “sistema de governação global mais justo e equitativo”, no qual todos os países, “independentemente da dimensão, força ou riqueza”, participariam igualmente na governação global. “Devemos continuar a assumir uma posição clara contra o hegemonismo e a política de poder e praticar uma multipolaridade genuína”, disse.
Vladimir Putin, que discursou depois de Xi, apoiou a iniciativa e expressou a opinião de que a OCX poderia assumir um papel de liderança na construção de um novo sistema de governação global. Salientou que as propostas de Pequim são relevantes quando “alguns países ainda não abandonaram o seu desejo de ditadura nos assuntos internacionais”.
Nem Xi, nem Putin revelaram todo o conteúdo da nova palavra chinesa. O pouco que Xi disse já há muito está previsto realizar nos documentos da ONU, mas até agora com pouco ou nenhum sucesso. E claro que nenhum dos presentes na reunião levantou a questão da desconformidade dessa política com a guerra travada pelo ditador Putin na Ucrânia.
Quanto ao sangrento conflito na Europa, apenas foi abordado por Putin, mas para repetir o gasto discurso de que Kiev é o culpado da guerra por se querer aproximar da NATO.
O factor Índia
Apesar das profundas divergências entre os membros da organização, nomeadamente nas relações entre, por exemplo, a China e a Índia ou entre a Índia e o Paquistão, a política imprevisível de Donald Trump ajudou a criar uma “coligação de países afins contra os EUA”.
O elemento-chave da cimeira foi a presença do Primeiro-Ministro indiano. Realizou-se no meio de reaproximação com a China e do agravamento das relações com os Estados Unidos.
A Índia e a China têm tradicionalmente relações difíceis devido à situação no Tibete e à presença de áreas disputadas na fronteira comum. As tensões entre os países tornaram-se especialmente elevadas após uma série de confrontos na fronteira em 2020, nos quais dezenas de soldados foram mortos. As relações começaram a melhorar após a cimeira dos BRICS do ano passado, em Kazan, onde Narendra Modi e Xi Jinping se encontraram pela primeira vez em cinco anos.
Os líderes da Rússia, China e Índia demonstraram unidade na cimeira da OCX, o que representou um desafio para a política externa de Trump. O Presidente norte-americano falhou na sua tentativa de obrigar Nova Delhi e Pequim a ceder na aquisição de petróleo russo e as taxas impostas não os fizeram recuar.
BRICS e OCX
Juntamente com a união económica dos BRICS, a Organização de Cooperação de Xangai tornou-se um elemento central na mensagem de Pequim de que o Ocidente não é a força dominante nem a única resposta aos problemas mundiais.
Embora a reunião em Tianjin não tenha trazido resultados substanciais, os analistas afirmam que a simples presença nela pode ser útil para governos autoritários e líderes — como Vladimir Putin e o presidente do Xi. Na cimeira da Organização para a Cooperação de Xangai em Tianjin, que também contou com a presença dos líderes do Irão, Paquistão, Turquia, Bielorrússia e países da Ásia Central e do Cáucaso, nenhuma decisão séria foi tomada. Apenas foi lançada a proposta pelos chineses de criação de um novo banco para impulsionar projectos económicos multi- e bilaterais.
Porém, as imagens cuidadosamente encenadas pelo líder chinês Xi Jinping, do primeiro-ministro indiano Narendra Modi e do presidente russo Vladimir Putin, abraçando-se, enviaram um forte sinal a Washington, já que Trump busca tenciona conter Pequim, dificultar a ligação da Rússia com a China e afastar a Índia do petróleo russo.
Quanto ao desfile militar que se realiza na quarta-feira, ele surge num contexto de uma séria revisão da história militar na China, na qual a contribuição dos EUA para a vitória sobre o Japão é minimizada e o papel da própria China, bem como da URSS, é claramente exagerado. Aqui, o ditador Xi copiou claramente o ditador Putin.
