O caudal ecológico é o “pulso vital” dos rios, garantindo a sobrevivência dos ecossistemas a jusante das barragens. Em Portugal, porém, a sua implementação falha em mais de metade das albufeiras, levando a associação Zero a denunciar o país à Comissão Europeia por incumprimento da Diretiva-Quadro da Água.
A associação ambientalista Zero – Associação Sistema Terrestre Sustentável denunciou que 64% das albufeiras associadas a grandes barragens em Portugal não cumprem as obrigações legais de definição e libertação de caudais ecológicos. A organização avançou com uma queixa formal junto da Comissão Europeia, exigindo a abertura de um procedimento de infração e apelando ainda a uma moratória na construção de novas barragens.
O que são caudais ecológicos?
Um caudal ecológico é a quantidade mínima de água que deve ser libertada a jusante de uma barragem para manter vivo o rio e os ecossistemas que dele dependem. Não se trata de um valor fixo, mas de um regime variável que procura imitar o fluxo natural do rio, garantindo que as espécies aquáticas têm condições de sobrevivência e reprodução; as zonas ribeirinhas mantêm a sua vegetação e biodiversidade; a água conserva qualidade suficiente para consumo humano, rega e outros usos; e os rios conservam a sua capacidade de autodepuração, essencial para evitar fenómenos de poluição persistente.
Em Portugal, este regime está previsto na Diretiva-Quadro da Água (2000/60/CE) e na Lei da Água (Lei n.º 58/2005). Contudo, de acordo com a análise da Zero aos Planos de Gestão de Região Hidrográfica 2022-2027, a situação é crítica, pois 41% das albufeiras (50 em 121) não têm qualquer regime de caudal ecológico definido; 23% (28 albufeiras) têm o regime estabelecido, mas não existe libertação efetiva e verificável da água; e 78 das 121 massas de água fortemente modificadas estão em incumprimento (64%).
A ausência de caudais ecológicos tem consequências visíveis: degradação dos ecossistemas aquáticos, perda de biodiversidade, pior qualidade da água e maior vulnerabilidade a fenómenos extremos, como secas e poluição. O problema agrava-se com o facto de apenas 7,4% das albufeiras portuguesas disporem de dispositivos de transposição de peixes, bloqueando a migração de espécies essenciais para o equilíbrio fluvial.
O caso português revela um desfasamento grave entre a legislação europeia e a realidade. Ao não assegurar os caudais ecológicos, o país viola o artigo 4.º da Diretiva-Quadro da Água e arrisca-se a enfrentar sanções da União Europeia.
Para a Zero, só um corte com as más práticas permitirá inverter o cenário: exigir ao Governo que suspenda a construção de novas barragens até que o regime de caudais ecológicos seja efetivamente implementado e monitorizado.
No fundo, trata-se de reconhecer algo simples: os rios não são depósitos de água a reter, mas sistemas vivos que precisam de fluxo constante para sobreviver.