O lugar mesmo à porta num dia especialmente chuvoso só podia ser um bom prenúncio da noite memorável que nos esperava. Fachada discreta, com janelas grandes a inundar o espaço de luz (mesmo ensombrado pelo dia cinzento), o Aires é um pequeno (grande) tesouro escondido numa antiga “Villa” no Monte do Estoril, mais concretamente na Avenida São Pedro.
Chegámos mais cedo, apesar da reserva, e fomos recebidos de forma discreta, mas simpática e calorosa, pelo staff que não esconde, nem deveria fazê-lo, o sotaque sul-americano. A decoração inspirada nos típicos cafés de Buenos Aires, é sóbria, predominando os tons de azul-marinho e dourado, e transmite uma sensação de sofisticação, mas sempre acolhedora.
A ementa tem uma variedade de propostas capazes de agradar aos mais diversos (e exigentes) palatos, dos tradicionais asados com carnes argentinas de primeira qualidade, aos pratos de inspiração andina, gaúcha e patagónica.
As entradas deram o mote para uma refeição perfeita
O couvert, composto por fatias de bom pão e umas tortilhas grelhadas que combinavam na perfeição com a maionese e um paté de beringela e tomate de comer e chorar por mais. Para acompanhar, optámos por magnifico branco Torrontés Riojano, muito frutado, mas com a acidez e a frescura suficientes para cortar a doçura inicial. Nas entradas a dificuldade está na escolha, tantas são as “tentações”. Por sugestão do staff, escolhemos o “Duo de Empanadas Salteñas” (a versão clássica e a “charqui gaúcho”) e a “Provoleta Aires” (queijo provolone, rúcula, tomate confitado, flocos de presunto, redução de Coca-Cola e Fernet Branca). As primeiras eram acompanhadas de um dip de tomate picante que tornava a degustação da empanada ainda mais interessante pelo contraste da massa com um recheio rico de carne com a acidez do tomate e o calor (suave) do picante.
Mas o ponto alto das entradas esteve a cargo da Provoleta Aires. Numa frigideira de ferro fundido, o queijo provolone derretido numa redução de Coca-Cola (sim, essa mesma…) e Fernet Branca (uma bebida alcoólica inventada em Itália, mas “adotada” pelos argentinos) promete deixar saudades (a nós deixou). As pétalas de presunto e tomate confitado complementam na perfeição um prato rico, mas estranhamente delicado. Uma entrada que aconselhamos vivamente a todos os cheese maniacs.
Impossível resistir à tentação
Recorrendo, mais uma vez, aos conselhos sábios de quem nos recebia no Aires, trocámos o branco por um tinto, um suave Piatelli de uvas Malbec plantadas em altitude. Encorpado, mas frutado e com um final de boca suave, foi o acompanhamento perfeito para dupla de carnes escolhidas: um “Bife de Chorizo Premium” e as “Costeletas Patagónicas de Dupla Cozedura em Malbec”. Estas últimas são um dos pratos de assinatura do Aires. Primeiro braseadas, depois amaciadas, por um período de seis horas, em Malbec e finalizadas no forno Josper, são acompanhadas de legumes grelhados (batata-doce e cenoura) e pão de beterraba tostado. Sublime é, à falta de melhor, a expressão que nos ocorre quando tentamos definir o resultado final. A carne, num molho escuro e rico, é de uma maciez desconcertante, desfia-se ao toque de um garfo e inunda as papilas gustativas com um sabor intenso, mas delicado. Este é um daqueles pratos que merece, por si só, uma ida ao Estoril para visitar o Aires.
Já para os carnívoros inveterados a escolha pode (e deve) recair no “Bife de Chorizo Premium”. Chorizo é um dos cortes mais conhecidos numa parrilla argentina e é “vizinho” da alcatra. Distingue-se facilmente pela camada de gordura na lateral, o que empresta à carne um sabor e uma delicadeza única.
Pedimos o nosso bife médio-mal e, como acompanhamento, optámos por uns “Boniatos de Campo” (batatas-doce cozinhadas com pele, manteiga de salva e migalhas de queijo Roquefort). Mais uma dupla vencedora. A carne, no ponto certo, é tenra e quase que se desfaz na boca, enquanto as batatas-doces contrastam na perfeição com o sabor salgado e pungente do Roquefort (queijo azul).
A apoteose final
Apesar da, aparente, falta de “espaço” para a sobremesa, fomos tentados por umas “Panqueques de Dulce de Leche” (panquecas de doce de leite servidas com uma bola de gelado de nata e migalhas de Mantecol). Um final apoteótico para uma refeição digna dos deuses.
Em resumo, o Aires cumpre na perfeição o seu propósito, o de oferecer aos 46 comensais que pode receber uma viagem pela melhor da gastronomia da Argentina, sem sair de Portugal. Mas resumir a visita ao Aires a essa faceta é quase redutor. O Aires proporciona uma experiência quase mágica pela qualidade da comida, pela excelência do serviço, pelo conforto do espaço e pelos colaboradores atentos e prestáveis, mas nunca intrusivos. Se ainda não conhece, desafiamo-lo a visitar o Aires e descobrir que, afinal, a Argentina é aqui tão perto.
O Aires está aberto às quartas e quintas-feiras aos jantares. Às sextas-feiras e sábados e domingos para almoços e jantares. Para reservas ou mais informações visite www.airesrestaurant.com.
Artigo por Rui Reis