
As estratégias, as opções operacionais e as táticas caóticas empregues nas sucessivas batalhas na Ucrânia deixaram Putin perante um verdadeiro pesadelo. E de momento com muito poucas alternativas em matéria militar.
Com efeito, nada parece fazer sentido. A manobra operacional de teatro e as táticas concretas de Vladimir Putin na Guerra da Ucrânia têm vindo a revelar-se desorganizadas, caóticas e muitas vezes desprovidas de lógica, guiadas somente por uma necessidade de destruição pura e dura. O que o deixou, para já, sem óbvias opções militares convencionais, pelo menos de resposta imediata.
Mas há pior. A decisão do presidente russo em emitir, no mês passado, uma ordem de mobilização parcial foi o culminar de uma desorientação caótica que acabou por produzir o tão propagandeado efeito de “boomerang”. Deixando-o perante um autêntico beco sem saída. Pagá-lo-á caro. Será muito difícil que se mantenha no poder – a não ser que tire da cartola mais uma narrativa fantasiosa de vitória, internamente consumível e agradável a quem a deguste. Referendos apressados são muitas vezes o debute desse tipo de ruminações.
Putin, face às suas afirmações e decisões acabou por se colocar numa posição que inviabiliza, reais negociações de paz que lhe possam ser favoráveis. A conjuntura e o ecossistema não auguram nada de bom. Desta decretada e intempestiva mobilização, o mais provável é que o conflito termine, mais tarde ou mais cedo, com a expulsão das forças russas de toda a Ucrânia. A ordem de mobilização “parcial” de Putin, ao convocar cerca de 300.000 reservistas para as suas forças armadas, provocou de imediato a fuga do país de mais do dobro dos mobilizados. Trata-se de um verdadeiro e surpreendente enxovalho para o próprio Kremlin. Vladimir fica encostado às tábuas, encurralando-se. A situação assumiu foros de uma tal gravidade que até mesmo jornalistas e milbloggers afetos aos meios de comunicação controlados pelo governo russo põem em causa as decisões estratégicas, operacionais e táticas da Moscovo.
Claro que estas questões não são alheias ao desnorte organizacional desta mobilização e ao êxodo em massa de cidadãos altamente qualificados, coisa que começou logo depois de ter sido decretada a famigerada mobilização iniciada a 21 de setembro de 2022. Ou seja, a ordem de Vladimir Putin que visava mobilizar homens para o seu exército, acabou por empurrar muitos deles para fora do seu próprio país. Novamente um efeito de boomerang, daqueles que o executivo russo tanto gosta de propalar, ao arrepio de uma sociedade civil que persiste em emudecer. Um autêntico tiro no pé.
Note-se. A mobilização foi caótica, desorganizada e mesmo arbitrária. O que levou o próprio Putin a admitir erros, erros esses que se apressou a empurrar para o canto do Ministério da Defesa. Uma atitude que poderá ser a antecâmara de uma eventual demissão de Shoigu, cuja cabeça tem vindo a ser insistentemente pedida pelos denominados “siloviki”. Muito especialmente Razam Kadyrov (agora Coronel-General!?), e Yevgeny Prigozhin – dono e senhor do funesto Grupo Wagner. Uma dupla pouco recomendável.
As ameaças recentes de um Putin que estaria disposto a utilizar todo o seu arsenal militar, afiançando não estar a fazer bluff, acabaram por não produzir o efeito esperado – curiosamente, a mesma ameaça foi suscitada por Medvedev, por Shoigu e por muitas outras personagens do inner circle do Chefe de Estado. Porém, para o comum dos mortais ficou claro que qualquer uso de armas de destruição em massa seria “catastrófico” para a própria Rússia, face às múltiplas reações vindas não somente do Ocidente Alargado, mas também de outros quadrantes dos quais Putin esperaria apoio implícito. Por outro lado, o atual Exército Russo encontra-se tudo menos preparado para lutar e sobreviver em ambiente NBQR (Nuclear, Biológico, Químico e Radiológico). Caso fosse usado este tipo de armas, as consequências seriam desastrosas mesmo para os combatentes russos.
A resposta às linhas vermelhas traçadas até agora e após o ataque à ponte de Kerch, acabaram por precipitar uma desmesurada avalanche de mísseis de precisão e drones kamikaze de origem iraniana, o que já vinha sendo planeado e que o referido ataque apenas acelerou. Até aqui nada de novo. Há no entanto a referir que este “feito” custou ao Kremlin mais de 700 milhões de dólares conforme apurado pela Forbes. Gastos que a Rússia dificilmente conseguirá manter.
As respostas Ocidentais estão em marcha. O primeiro sistema IRIS-T SLM acabou de chegar á frente ucraniana. Outros sistemas de defesa antiaérea em cluster se seguirão. Em particular os famosos NASAMS norte-americanos e noruegueses. Daqui em diante, será mais fácil à Ucrânia defender-se de uma Rússia em desespero. Também chegarão mais e melhores equipamentos e armas ofensivas. A opção de Putin para prolongar esta verdadeira agonia e ir mantendo a face, é a de continuar a entregar cabeças em bandejas de prata para salvaguardar a sua própria. Até quando será possível salvar a honra do Convento?
O prazo de validade de Shoigu pode estar a chegar ao fim. Essa decisão a ser tomada acalmará as vozes discordantes e insatisfeitas dos siloviki e seus apaniguados em Moscovo e São Petersburgo? Claro que sim. Porém será essa uma solução para os desaires russos na Ucrânia? Bom, aqui a resposta será a inversa. Claro que não.
Isidro de Morais Pereira
Major General