
Há 17 anos, 48 trabalhadoras do sexo foram assassinadas. Desde essa data que se celebra o Dia Internacional contra a Violência sobre Trabalhadores do Sexo.
Em 2003, Gary Leon Ridgway pôs fim à vida de 48 mulheres, em Seattle. Conhecido como The Green Killer, este é o segundo assassino em série mais temido nos Estados Unidos que está preso desde 2001. Nas suas alegações afirmou que achava que ninguém iria procurar por elas, pois na sua ótica eram “apenas prostitutas”.
O caso foi partilhado e chocou o mundo. Desde então que dia 17 de dezembro existem sempre movimentos para relembrar estas mulheres e aquelas que ainda trabalham na área da prostituição. Sobre este assunto, esta é a única certeza que tenho: nada justifica acabar com uma vida humana. No caso de Portugal, 90% das trabalhadores do sexo afirmam já terem sido vítimas de violência, seja por parte de clientes, ou terceiros.
A prostituição é a profissão mais antiga do mundo. Ainda assim só oito países na Europa é que legalizaram este trabalho – Alemanha, Países Baixos, Grécia, Turquia, Suíça, Áustria, Hungria e Letónia – mas existem outros países em que a lei condena somente o cliente, ou os bordéis, protegendo a trabalhadora do sexo.
Não é novidade que a sociedade discrimina a prostituição. Há um estigma e preconceito contra as trabalhadoras do sexo, motivo pelo qual há quem acredite que o direito de violar o seu espaço pessoal e exercer atos violentos sem que seja responsabilizado é aceitável.
Uma das questões que se levanta é: deve a prostituição ser ou não legalizada? Apesar de ser um tema abordado há vários anos, durante a pandemia, várias instituições e trabalhadoras voltaram a dirigir-se ao governo por falta de condições. A verdade é que com a aplicação do Estado de Emergência, recolher obrigatório e vários avisos sobre o fim do contacto físico, as trabalhadoras do sexo viram-se “de pés e mãos atadas”.
Esse foi o mote para relembrar o Estado português que se a profissão fosse legal, elas teriam direito aos mesmos apoios, contrato, e outros benefícios da segurança social e a nível de saúde que neste momento não têm acesso. Várias são as teses e opiniões que se dividem em relação a este tema. Não é fácil decidir o que está certo ou errado. Efetivamente se na prostituição houvesse leis de saúde e higiene no trabalho não haveria tanta propagação de HIV, outras doenças e até mortes por infeções. Não podemos negar o direito à saúde a nenhum cidadão, e antes de qualquer mulher ser identificada como prostituta, temos de a ver como cidadã e um ser humano legível dos mesmos direitos que qualquer outro profissional.
O Porto G é uma das associações que apoia a legalização e tem vindo a desenvolver vários projetos em prol da proteção das trabalhadoras do sexo. Isabel Soares, psicóloga da associação relatou à revista Delas que: “uma das motivações para regulamentar a prostituição foi precisamente controlar o tráfico de seres humanos”. Após ter trabalhado numa associação italiana “On the Road” também achava que toda a prostituição era exploração sexual” mas as histórias e pessoas que conheceu posteriormente fizeram-na mudar de opinião.
No parlamento também há quem procure ajudar as trabalhadoras sexuais. A deputada não-inscrita, Joacine Katar Moreira, apresentou recentemente uma proposta para que seja concedido um subsídio excecional para pessoas em contexto de prostituição.
“O objetivo é garantir e zelar pela protecção dos Direitos Humanos de pessoas que estão a viver numa situação de vulnerabilidade extrema” afirma, Joacine. Em Espanha, por exemplo, este apoio em contexto de pandemia já é uma realidade.
Esta é provavelmente a melhor opção por agora. Pelo menos é a primeira que parece estar na iminência de ser considerada e aprovada. A legalização resolveria problemas como estes que a prostituição atravessa, mas por outro lado, também é preciso ponderar as consequências de uma decisão destas.
Nem toda a prostituição é feita de livre vontade. É certo que há várias mulheres com família, outras oportunidades, mas que ainda assim escolhem ser trabalhadoras sexuais. Porém, não podemos ignorar a grande parcela de mulheres que é obrigada a prostituir-se devido a situações de precariedade ou redes de exploração sexual.
Nesta perspetiva temos a Associação do Ninho que acredita que a legalização é sinónimo de branquear a exploração. Numa entrevista ao Jornal de Negócios, a representante afirma que “Não precisamos de abrir as portas e facilitar a vida a exploradores e traficantes, mas sim de criar alternativas para as pessoas que se encontram em situação de prostituição. Perceber as causas que levam à prostituição, implementar políticas sociais mais justas e igualitárias, parece-nos, isso sim, muito mais essencial do que a criação de políticas avulsas que não vão ao cerne deste flagelo social, não o resolvem e, pelo contrário, agravam-no”.
É difícil ver as coisas a preto e branco. Não se pode misturar vítimas de exploração sexual com trabalhadoras do sexo, mas na realidade é difícil fazer essa distinção nas ruas. As vítimas dificilmente admitem estar a ser abusadas e são muitas vezes confundidas com outras mulheres que tomaram a decisão conscientemente e não trabalham para terceiros, ou os tais “chulos”.
Além de mulheres, muitas vezes encontramos crianças nestas condições. A legalização só iria permitir a prostituição a partir dos 21 anos, como já acontece em alguns países. Ainda que esta decisão possa ser tomada de livre e espontânea vontade, não se pode ignorar o facto de aos 16 anos, ou menos, o cidadão esteja num processo de mudança e aprendizagem, sendo suscetível de tomar decisões que se poderá vir a arrepender.
Este é um tema sensível em que as opiniões serão sempre contraditórias. Não há uma resposta certa e a forma como cada um vê estas situações será sempre diferente. Além das vivências de cada um, a idade, cultura e mentalidade também são fatores que influenciam a nossa opinião.
A única opinião que tem de ser unânime é aquela que defende a eliminação da violência contra trabalhadoras do sexo. É impossível concordar com a violência contra o ser humano. Não há nada que se sobreponha ao valor da vida.
A data é habitualmente comemorada com manifestações em que as mulheres usam chapéus de chuvas vermelhos para simbolizar a luta pelos seus direitos. Ainda que este ano seja diferente e não se possa fazer ajuntamentos, devemos sempre recordar o dia 17 de dezembro, como o dia em que o mundo despertou e percebeu que o homicídio ou qualquer outro tipo de violência contra as trabalhadoras do sexo ou qualquer vida humana nunca será aceitável.
Este artigo foi escrito por Marta Pereira Laranjeira