(Artigo de opinião escrito no surgimento do novo debate sobre touradas no parlamento)
Tomando a definição de cultura como o “conjunto de costumes, de instituições e de obras que constituem a herança de uma comunidade ou grupo de comunidades” ou ainda como um “sistema complexo de códigos e padrões partilhados por uma sociedade ou um grupo social e que se manifesta nas normas, crenças, valores, criações e instituições que fazem parte da vida individual e coletiva dessa sociedade ou grupo”, podemos afirmar que as touradas são, de facto, cultura. Ou seja, estas fazem parte de um longo legado histórico, e cultural, com maior ênfase na Península Ibérica.
Contudo, também as lutas de cães e de galos, tal como outras práticas de “espetáculo animal” foram, ou são, bem vistas por certos grupos ou comunidades; ou, indo mais longe, há práticas culturais como a mutilação genital feminina, o consumo alimentar de animais domésticos e tantas outras, atuais ou que acabaram por ficar para trás na história, que demonstram que nem sempre a herança e o legado cultural que transportamos devem continuar.
Assumir que os costumes, normas, valores ou crenças não podem sofrer nenhum tipo de alteração, é assumir que a evolução não existe; ao longo da história houve mudanças que foram necessárias para chegarmos onde chegámos e o verdadeiro valor cultural e social é trabalhar para melhorar nesse sentido, para que certas práticas, que não estão de acordo com os nossos valores e crenças atuais, fiquem para trás e coisas melhores surjam. Com a advinda do conhecimento, cada dia as coisas aparecem diferentes aos nossos olhos, a própria ciência nos mostra que nada é exato, que tudo está em constante mutação, e decidir fechar os olhos a essas evidências, é querer estagnar.
Voltando ao caso específico das touradas, podemos ler no touradas.pt, que “a Tauromaquia é a arte de enfrentar e lidar toiros bravos” e ainda que “a tourada ou corrida de touros é uma forma de tauromaquia. É um espectáculo cultural, uma arte performativa ética, onde um artista (cavaleiro tauromáquico, um matador de toiros, um novilheiro ou forcado) lida ou pega touros bravos segundo regras éticas, arriscando a sua vida para criar arte”. Basta uma leitura rápida para ver a quantidade de vezes que a palavra “arte” e “artista” aparecem no texto, fazendo uma clara comparação entre “artista” e “matador de toiros”, afirmando que é arte o sangue derramado “pela besta”, e que é espetáculo, mais, uma “arte performativa ética”, a inflação de sofrimento animal. Nestes chamados “espetáculos” o touro bravo é colocado num recinto circular, sem espaço para se esconder ou proteger das investidas do cavaleiro, sendo continuamente incitados a tornarem-se furiosos e mantidos sob stress, para no final serem abatidos (se chegarem até lá com vida).
Ainda assim, vemos partidos como o PS, PSD, PCP, CDS-PP e Chega a votarem a favor do apoio público às touradas, que se inserem no Orçamento de Estado para a Cultura e onde o valor não chega, sequer, a 1% do PIB para as verdadeiras artes.
Este artigo foi escrito por Cláudia Paulo