Quentin Tarantino, de 57 anos, nascido em Knoxville (Tennessee) é, sem dúvida, um dos mais conhecidos e admirados realizadores contemporâneos
O cineasta, argumentista e ator, filho de pai ator e músico e mãe enfermeira, mudou-se para a Califórnia aos 4 anos de idade e frequentou a James Best Theatre Company onde estudou para ator. Contudo, a sua formação cinematográfica vem sobretudo da aprendizagem num videoclube no qual trabalhou quando era mais novo. Os filmes que lá eram alugados tinham caráter ultraviolento e temáticas como westerns spaghetti e épicos de kung fu, que acabaram por se tornar na inspiração dos seus filmes, mas não só. Tarantino também se inspirou no género criminal da série B para Cães Danados (1992), e na desconstrução de temas negros de Jean-Luc Godard para Pulp Fiction (1994), dando o nome A Band Apart à sua produtora inspirado no filme Bando à Parte (1964). Numa entrevista gravada, em 2002, pela Artisan Home Entertainment, o realizador afirma que foi Godard que lhe ensinou a quebrar as regras e a ser livre, foi nele que se inspirou para criar a estética que o caracterizou no início da sua carreira, falando ainda em inspirações como Sergio Leone, John Woo, entre outros. Os filmes gangster dos anos 30, os noir dos anos 40 e Jean- Pierre Melville fizeram-no ver que se pode fazer um filme sem grandes estudos cinematográficos desde que se tenha uma grande paixão pelo cinema.

O realizador, interessado em histórias e na temática lúgubre, começou por escrever argumentos para filmes, sendo o primeiro realizado por ele Reservoir Dogs, de 1992, que antecedeu Pulp Fiction no qual me irei centrar mais à frente. Em Reservoir Dogs, considerado filme de culto após o lançamento da segunda obra, já encontramos características também presentes em Pulp Fiction como o uso da violência, diálogos trabalhados e linguagem mais sensível, referências à cultura pop, banda sonora peculiar e narrativa não-linear. Estes dois filmes, inspirados em antigos clássicos da Warner Bros., foram os que levaram Quentin Tarantino à ribalta e a ser mundialmente conhecido; o uso da violência, do sangue e todo o enredo criado de forma divertida e inteligente é algo que sempre estará ligado ao realizador. O realizador-argumentista ficou ainda conhecido por filmes como Jackie Brown, Kill Bill, Inglorious Basterds, Django Unchained e a sua última obra, Once Upon a Time in Hollywood.

Pulp Fiction (1994) foi realizado e escrito por Tarantino e narra as estórias de Vincent Vega e Jules Winnfield, dois assassinos profissionais que têm como objetivo recuperar a mala do chefe, o mafioso Marsellus Wallace; Butch Coolidge, um pugilista que é pago por Wallace para perder o próximo combate e ainda um casal de ladrões, Honey Bunny e Pumpkin, que pretendem assaltar um café. Todas estas personagens e estórias, aparentemente separadas e divididas, acabam por se conectar e ter uma relação entre si. Toda esta ideia narrativa de conexão vem, segundo o realizador, da escrita “novelística” em que os personagens vão oscilando e ganhando diferente peso e destaque ao longo da história. Apesar de serem personagens característicos deste género de filme, violentos e implacáveis, aqui eles são confrontados com problemas quotidianos e colocados num mundo “mais banal”. Com isto, Tarantino vai buscar algo já existente, procurar inspiração nos filmes noir, de gangsters… e adaptar essas fórmulas àquilo que ele pretende obter, renovando-as de certa forma. Exemplos deste tipo de filmes são o Fúria sanguinária (1949), Machine-Gun Kelly (1958), O Massacre de Chicago (1967), O Último Golpe (1954), O Acossado e Disparem Sobre o Pianista (1960), Bonnie And Clyde (1967), Era Uma Vez na América (1984).

Através de alusões à cultura pop e fílmica, encontramos, em Pulp Fiction, protagonistas com discursos quotidianos e banais, cenas de violência sem o suspense e seriedade das dos filmes clássicos, tal como a inserção de humor e trivialidades. Como podemos verificar nos minutos iniciais do filme, aparece o significado de pulp como referência ao estilo e revistas pulp que ganharam destaque a partir de 1990. Estas revistas eram caracterizadas por possuírem um forte componente lúgubre, com muito sangue e armas, mas com um lado divertido e uso frequente de imagens de mulheres com pouca roupa. Nestas revistas havia uma grande tentativa de sedução do leitor, mostrando-lhe personagens caricaturais rotulados e com características exageradas, histórias e acontecimentos extraordinários, fora do comum e da vida quotidiana. Ao contrário das histórias de Hollywood, elaboradas com personagens mais complexos, neste tipo de revistas havia uma maior vontade de contar uma história interessante e/ou mirabolante do que criar personagens humanos com quem nos identificamos. No cinema de Tarantino percebemos que existe um grande interesse pelo banal e acidental que funciona como uma espécie de cinema de atrações, termo usado por Tom Gunning para se referir ao cinema dos primeiros anos, onde havia imagens surpreendentes, chocantes e também divertidas que atraiam o público pelo seu espetáculo. Observando o argumento do filme, recheado de diálogos e com poucas indicações de cena, encontramos discursos aparentemente desprovidos de interesse para o desenrolar da ação (é em muitos destes diálogos que encontramos pistas para perceber de que forma o tempo está a ser construído, como referências horárias ou fazendo alusão a certos episódios), mas que concede uma maior força a todo este espetáculos e aos jogos criados pelo realizador. Ao longo do filme, e na generalidade dos filmes de Tarantino, estranhamos sempre qualquer tranquilidade e calma pois ele, a qualquer momento, insere um plot twist que nos deixa “colados ao sofá”, acabando sempre por nos surpreender e tentar desconcertar. Outra das características marcantes deste filme é o recurso à cultura pop, que encontramos de forma clara na saída de Vincent Veja e Mia Wallace ao Jackrabbit Slim’s, um pub dedicado a Elvis Presley, com um cenário dos anos 50. Ao longo de todo o episódio são feitas várias referências à cultura pop: Buddy Holly, Marilyn Monroe, James Dean e ainda a participação no concurso de dança Twist entre os dois personagens.

O filme, que inicialmente tinha sido escrito em várias partes para curtas metragens, acabou por se tornar num filme com três histórias distintas: “Vincent Vega e a esposa de Marsellus Wallace”, que dá destaque ao personagem Vincent, “O Relógio de Ouro”, cujo protagonista é Butch e ainda “O caso de Bonnie”, em que Jules é quem mais se destaca. Todas estas histórias, que se cruzam em certos pontos, não são contadas de forma linear, funcionam como uma espécie de puzzle, em que as peças se vão encaixando e só no final é que somos capazes de perceber tudo aquilo que aconteceu de forma cronológica. Este tipo de narrativa não linear torna mais complicado obter o efeito catártico que se observa em clássicos como Édipo Rei, que segue o proposto pelo filósofo grego Aristóteles. Aqui, não havendo um princípio, meio e fim em que acompanhamos todos os passos do “herói”, torna-se mais complicado gerar empatia, e há uma maior atividade por parte do espectador para compreender aquilo que se passa e o espectador sai do papel passivo. Esta forma de nos retirar do nosso lugar de conforto, como espectador, é do que mais me atrai nos filmes de Tarantino, aliado às personagens carismáticas e intensas, aos momentos peculiares, ao ambiente de descontração rompido por algo chocante, à cor das imagens, à inserção de planos menos clássicos e à “sujidade” que os planos apresentam, tornam o realizador um dos meus prediletos.
Este artigo foi escrito por Cláudia Paulo