Ao contrário do que aconteceu em 2015, Vladimir Putin, desta vez, não foi em ajuda de Bashar al-Assad e apenas se limitou a deixar cair o ditador sírio e a dar-lhe refúgio político.
Um monumental fracasso do ditador russo na sua política externa expansionista, que faz com que a Rússia se assemelhe cada vez mais à União Soviética no seu período de agonia.
Quando se tornou claro que al-Assad, que governou a Síria com braço de ferro durante 24 anos, tinha sido mesmo derrubado, a fraseologia do Kremlin mudou radicalmente. As agências de informação do regime: Tass e Ria, deixaram de chamar “terroristas” aos combatentes do Hayat Tahrir al Sham (HTS) e de outros grupos armados islamitas, passando a referir-se a eles como “forças da oposição”. Além disso, Putin mostrou-se imediatamente disposto a dialogar com toda a oposição.
Em 2017, quando Putin visitou a base aérea de Hamini, após salvar o poder a al-Assad, ele prometeu que os “terroristas” iriam pagar muito caro caso tentassem derrubar novamente o ditador sírio.
Na véspera do derrube de al-Assad, depois de uma reunião com os ministros dos Negócios Estrangeiros do Irão e da Turquia, Lavrov, salientou que “não se pode permitir que grupos terroristas se apoderem de territórios em violação dos acordos existentes, a começar pela resolução 2254 do Conselho de Segurança da ONU”.
Agora, o Kremlin muda radicalmente de discurso para conseguir ainda salvar algum dos seus interesses no território da Síria e manter a sua presença no Médio Oriente. A Federação da Rússia mantém aquartelados na Síria 7.500 soldados e oficiais, a maior parte dos quais se encontram nas bases naval de Tartus e aérea de Latakia. Porém, há destacamentos militares russos em várias regiões sírias que ficaram isolados depois das forças armadas de al-Assad se terem desintegrado.
Nesta situação difícil, Putin recorreu ao Presidente turco Erdogan, para pedir ajuda na evacuação dessas tropas russas. Quanto ao futuro das bases militares, é provável que a Rússia as tenha de encerrar. Abu Mohammed al-Julani, líder do Hayat Tahrir al Sham, defende que todas as bases estrangeiras no seu país sejam encerradas.
A ser levada à prática, esta exigência terá consequências negativas na política externa russa. O Kremlin perderá não só parte significativa do seu poder no Médio Oriente, como perde as bases que lhe permitiam enviar armamentos e homens para várias regiões de África, onde se tenta instalar.
A derrota russa na Síria poderá ter também consequências negativas na imagem da Rússia no mundo. Afinal Vladimir Putin não é capaz de manter a palavra no que diz respeito aos seus aliados e a qualidade dos armamentos russos desilude.
No plano político interno, há o receio de que o ditador russo lance mais uma campanha de repressões para evitar manifestações das oposições. A ultrapatriótica começa a ficar cada vez mais desiludida com o ditador, considerando que ela faz figura de fraco na política externa.
A fim de melhorar a sua imagem no país, Putin poderá lançar e intensificar novos ataques contra a vizinha Ucrânia, obrigá-la a vergar-se às exigências russas e a ceder parte do seu território.
Todavia, é ainda arriscado fazer prognósticos sobre o resultado da guerra entre Moscovo e Kiev. A derrota russa na Síria leva o presidente ucraniano Volodimir Zelensky a pedir a Trump e aos líderes ocidentais maior apoio militar à Ucrânia, esperando assim criar condições para conversações mais equilibradas com Putin.
A Rússia assemelha-se cada vez mais à União Soviética na véspera da sua desintegração. Despesas militares excessivas (40%), desaires na política externa e risco da queda do preço dos combustíveis nos mercados internacionais.
José Milhazes, jornalista e historiador