Situado no Convent Square Hotel em Lisboa, o restaurante Capítulo é um verdadeiro templo dedicado à (boa) gastronomia. Do serviço presente, mas nunca intrusivo, à decoração que respeita integralmente a carga histórica do espaço, mas com detalhes que sublimam a sofisticação e a modernidade que se pretende num Hotel de 5 estrelas, qualquer refeição ou até um “simples” cocktail no bar à entrada, rapidamente se torna uma experiência por si só.
Integrado num convento dominicano do século XIII, o restaurante Capítulo situa-se, como a designação deixa adivinhar, na antiga sala do capítulo, onde seria lido o mesmo e decorreriam as assembleias para serem discutidas tanto as regras da ordem como questões relacionadas com a administração do convento.
Respeitando integralmente a solenidade do espaço, ainda são visíveis as colunas e as arcadas originais, assim como azulejos do século XVII e XVIII e até as lápides que marcavam o pagamento das missas em honra dos mortos que encontraram o último local de descanso no convento.
Com uma decoração sofisticada e muito elegante, o espaço é amplo, arejado e, ao mesmo tempo, muito acolhedor. Com música ao vivo de quinta a sábado, e que por sinal resulta numa banda sonora de fundo extremamente agradável, esta viagem pelo sala do Capítulo deve começar pelo bar, onde a arte de criar cocktails de autor é levada a cabo por “artistas” de grande gabarito. A ideia passa por recriar antigos elixires feitos pelos monges, combinando com mestria receitas ancestrais (a granadina caseira é simplesmente divinal), ervas aromáticas e infusões, com bebidas espirituosas portuguesas (com destaque para os gins artesanais) e internacionais. Se pretender, pode deixar-se guiar pelos experientes barmans e barwomans ou escolher um clássico Negroni ou um Moscow Mule.
Reinventando os clássicos portugueses
Acompanhados até à mesa, fomos acolhidos no espaço de refeições por uma equipa de sala jovem e empenhada, mas simpática e muito eficiente. O melhor elogio que se pode fazer ao serviço é que quase não demos por ele. Tudo surgia com naturalidade, sem pressas ou intromissões, e sempre com uma explicação sucinta sobre a iguaria que iríamos degustar de seguida.
Escolhido o vinho (a copo), optámos por um Conde Vimioso Sommelier Edition, um branco de região do Tejo com a frescura e o carácter ideais para acompanhar na perfeição o Couvert, composto por pão caseiro (2 tipos diferentes), um paté de grão (uma espécie de húmus), umas belíssimas azeitonas marinadas e um não menos guloso queijo amanteigado.
Nas entradas, fomos surpreendidos pelo robalo marinado com citrinos, couve-flor e coentros. Se gosta de ceviche (como nós), então esta entrada fará as suas delicias. De seguida, veio para a mesa um atum salteado com molho de soja e limão. Mais uma ode à nobreza do atum, cozinhado na perfeição (selado por fora e vermelho escuro por dentro) e com a combinação do molho de soja e do limão a resultarem deliciosas. Por fim, um clássico: o tártaro de novilho, funcho, alcaparras, trufa e cebolinho. Encimado por um ovo de codorniz, esta é uma daquelas entradas que podia muito bem resultar num prato principal. Ingredientes de grande qualidade, num conjunto harmonioso e muito subtil que tinha como extra o crocante das avelãs tostadas. Se aprecia bife tártaro, este merece, por si só, uma visita ao Capítulo.
O mar à sua mesa
Como prato principal, seguimos o conselho do Chef e optámos por um dos pratos de assinatura do Capítulo: o arroz do mar (com lula, camarão, berbigão e peixe do dia). Com autênticos “nacos” de garoupa, o arroz caldoso é servido num pequeno tacho e no ponto perfeito de cozedura. Uma escolha acertada e mais uma daquelas receitas que nos vai ficar na memória e que nos faz querer voltar. Só para confirmar que está tão bom como nos lembramos…
No final, o simpático chefe de sala questionava-nos sobre a existência de um possível “espacinho” para uma sobremesa. A custo, e após várias insistências (na verdade, nem foi preciso insistir) lá acedemos ao desafio. Mais uma vez, optámos por aceitar a sugestão que nos foi dada: um tradicional pudim abade de priscos e um inovador creme queimado de tangerina. O primeiro, uma recriação muito bem conseguida, de uma das nossas sobremesas favoritas, tinha o mérito de não ser exagerademente doce e resultar muito mais subtil do que é habitual. O segundo, uma espécie de leite creme (na verdade era mais um creme brûlée) com a adição de tangerina, foi o preferido da noite. A dose certa de doce, entrecortada pelas notas cítricas da tangerina, e o açúcar caramelizado no topo, resultaram num conjunto merecedor de uma nota de destaque.
Se mais argumentos faltassem para aconselharmos este Capítulo, o creme queimado de tangerina merece, por si só, que nos debrucemos demoradamente sobre o tema. Porque há Capítulos a que temos de voltar repetidamente para atentarmos em todos os detalhes que nos possam ter escapado numa “leitura” anterior.
Artigo por Rui Reis