A tentativa de Paulo Raimundo, novo secretário-geral do Partido Comunista Português, de “emendar” a posição do seu partido face à guerra da Ucrânia é deveras espantosa, chegando ao povo de comparar a Rússia de Putin a um “cão atiçado” da sua infância que não tem culpa de ferrar.
Mas comecemos pelo facto de o PCP continuar a usar eufemismos para definir as barbaridades cometidas pelas tropas do ditador russo, Vladimir Putin, no território de um Estado soberano, reconhecido por toda a comunidade internacional, incluindo a própria Rússia.
Paulo Raimundo não consegue pronunciar a palavra guerra, mas insiste em eufemismos como “acção militar” ou “intervenção militar russa na Ucrânia”, ou seja, continua a repetir à risca a propaganda do Kremlin. Tem lugar o maior e mais destrutivo combate na Europa depois da Segunda Guerra Mundial, onde já morreram mais de duzentos mil soldados de ambos os lados e muitos milhares de civis mortos e feridos, onde estão a ser destruídas à bomba infraestruturas civis vitais para a sobrevivência dos cidadãos ucranianos, mas o novo-velho dirigente comunista continua a negar a existência de uma guerra.
Não sei a quem Paulo Raimundo quer convencer quando, não indo ao ponto de apoiar abertamente a “acção militar …condenável desde logo à luz do Direito Internacional”, tenta justificá-la com argumentos como “se se perceber o contexto” e porque “não há aqui uns muito bons e uns muito maus, há responsabilidades partilhadas”.
Argumento “abaixo de cão”
O novo-velho dirigente do PCP recorreu a uma brincadeira “completamente absurda” de sua infância para justificar o comportamento de Putin: “Tenho um amigo de infância e a determinada altura – miúdos de seis, sete anos – ele tinha um cachorrinho. Então a brincadeira que se montou – que era uma coisa completamente absurda – era três crianças que à vez atiçavam o cão. Atiçavam o cão, quando o cão vinha para morder gritavam e o cão, coitado, baixava… A brincadeira era assim. Esse meu amigo, que era o dono do cão, quando foi a vez dele de fazer esse movimento de atiçar o cão, o cão deu-lhe 20 e tal dentadas. Ao dono! E a pergunta é: a culpa é do cão? O cão é culpado desse ato?”.
Claro que o cão não é culpado, mas, segundo dados científicos confirmados, esse animal deve distinguir-se de Putin pois não controla os seus instintos e o ditador russo e a sua corte ainda devem ter alguma massa cinzenta para pensar e decidir. Se assim não for, segundo a lógica canina, teremos de esperar o pior.
Quem e como atiçou os “instintos caninos” de Putin ao ponto de ele descer ao nível dos cães? Claro que o imperialismo norte-americano, a NATO, a União Europeia e, claro, os “neonazis ucranianos”, etc. etc. O discurso do costume. E quem atiçou o “cão” para arrasar à bomba a Chechénia, invadir a Geórgia ou a Crimeia? Dirá que foram os mesmos e a culpa é sempre dos mesmos.
Isto é do mais primário anti-americanismo e anti-ocidentalismo. Pode-se e deve-se criticar Washington por numerosas guerras injustificadas : Vietname, Iraque, Afeganistão, etc. , mas isso não serve para justificar Putin quando ele comete actos iguais ou semelhantes.
Pela lógica de Paulo Raimundo, a culpa é da violada porque provocou o violador.
Diria eu que se desta forma o dirigente comunista tenta tirar o PCP do buraco em que se meteu no caso da invasão da Ucrânia, é pior a emenda do que o soneto.
Arménio Carlos, ex-secretário-geral da CGTP e antigo membro do Comité Central do PCP, apelou à “correção” da posição sobre a Ucrânia.
“Aquilo que eu sinto, aquilo que me dói, aquilo que me custa, é que na sociedade portuguesa, com esta situação [a posição sobre a guerra na Ucrânia], o PCP continua a ser queimado em lume brando. É isso que eu não quero, porque não é isso que está na origem das posições do partido”, afirmou ele em entrevista ao Público e à Rádio Renascença. E acrescentou: “Quando alguma coisa não corre bem, nós também temos de dizer [que] não correu bem, não era aquilo que pensávamos, corrigir. Acho que o partido devia fazer isso.”
Palavras sensatas, mas acompanhadas de uma duvidosa ressalva: “o novo secretário-geral do PCP, Paulo Raimundo, “já deu mais algumas nuances”.
Uma delas será certamente a comparação de Putin a um “cão atiçado”. E ainda há mais?
José MIlhazes