“é fundamental parar e aproveitar mais esta crise política provocada pelo PS e pensar finalmente em uma reforma do sistema político e eleitoral, a tal revisão constitucional que há anos nos prometem.”
Poderia começar com toda aquela “lengalenga” a explicar os últimos dias, mas nada disso é novo ou deveria ser.
Todos sabemos o que têm sido os 21 anos de PS como governo em Portugal, se não vejamos: Três primeiros-ministros que se demitem. Um pântano. Uma bancarrota. Um resgate do FMI/UE. Um ex-primeiro-ministro preso preventivamente por 10 meses e indiciado por vários crimes cometidos no exercício de funções, e que será levado a julgamento. Um país na cauda da Europa e sem uma estratégia para o futuro. As pessoas a viverem pior. Um governo em morte lenta. E agora, um primeiro-ministro em funções, que irá ser alvo de um processo crime.
Costa caiu, o PS está esgotado, mas o futuro desponta à nossa frente. É hora de uma rara oportunidade de reflexão profunda e de traçar um rumo claro e visionário para Portugal.
Mas também é fundamental parar e aproveitar mais esta crise política provocada pelo PS e pensar finalmente em uma reforma do sistema político e eleitoral, a tal revisão constitucional que há anos nos prometem.
Algo que salta à vista nesta crise política, e que poucos ou nenhuns comentadores quiseram ainda discutir, é a necessidade premente de uma reforma inteligente, moderna e urgente do sistema político e eleitoral português.
Os prazos são excessivamente longos, a burocracia política e formal é extensa e desatualizada, a forma é arcaica, a representação pífia e o método de Hondt é injusto, e até pouco “democrático”, no que respeita à verdadeira representação dos eleitores. Veja-se que o CDS, nas últimas eleições legislativas, até foi mais votado que o Livre e o PAN, mas ao contrário destes, não elegeu nenhum deputado.
Em todas as eleições legislativas milhares e milhares de votos vão parar ao “lixo” da democracia, em nome de uma certa estabilidade política, fruto da ideia dos “pais” fundadores da nossa constituição, de facilitar a criação de maiorias. Mas que sistema democrático é este? Se toda a estrutura é feita de forma a privilegiar uns em detrimento de outros.
O que me parece claro e óbvio é que este sistema, como está, não mais nos serve. O mundo mudou, os eleitores mudaram, os partidos e as ideologias sofreram alterações.
Os grandes partidos europeus, fundadores da Europa e do Estado Social Europeu no pós Segunda Guerra Mundial, ou desapareceram, como foi o caso da Democracia Cristã Italiana, do Partido Socialista Francês ou do PASOK Grego, ou modernizaram-se e hoje já só representam uma percentagem do eleitorado, o que já não mais lhes permite governar sozinhos. Obrigados, assim, a encetar alianças com outros partidos para garantir uma solução de estabilidade governativa.
Olhemos para o exemplo alemão, no qual não só a constituição obriga, por razões históricas, à obrigatoriedade de coligações, como os dois grandes partidos, CDU e SPD, não mais representam sozinhos a maioria dos votos. Atualmente, rondam apenas os 27% e necessitam, pela primeira vez, de formar uma coligação não de dois, mas de três partidos, ainda que ideologicamente separados por temas estruturantes.
No entanto, todos têm em comum o interesse público em obter a melhor solução governativa que respeite os votos dos eleitores e atenda às necessidades da população.
Note-se, ainda, o caso do Reino Unido, que junta quatro países: Inglaterra, Escócia, País de Gales e ainda a Irlanda do Norte, com 67 milhões de habitantes, cerca de 47 milhões de eleitores, 650 membros do parlamento, que representam diretamente 650 círculos eleitorais diferentes, onde até existem 2 línguas oficiais e que em 2019 marcou as suas eleições a 31 de outubro e as realizou a 12 de dezembro, tomando posse o primeiro-ministro no dia imediatamente a seguir.
Bem sei que os arautos da desgraça e da pequenez, virão com o argumento de que não é possível comparar Portugal e o nosso sistema nem com a Alemanha nem com o Reino Unido. É precisamente aí que reside o nosso problema: almejamos sempre muito baixo e temos a necessidade quase hereditária de nos ver como menores em relação ao que os outros fazem melhor. Ou seja, porque razão não podemos nós ver e aceitar que aqueles que fazem melhor, podem ser um exemplo para um bom início de discussão.
No nosso país, pequeno e com uma coesão territorial de muitos séculos, com 230 deputados que representam cerca de 9,3 milhões de eleitores de 10,3 milhões de habitantes, os prazos são, no mínimo incompreensíveis.
Observe-se então o momento de crise política que vivemos e o seu programa de festas:
Marcelo ouviu os partidos com representação parlamentar 24 horas após o pedido de demissão. Reuniu com o concelho de estado nas 24 horas subsequentes e anunciou ao país que irá dissolver o parlamento, mas só a 15 de janeiro de 2024, ou seja, daqui a pouco mais de 2 meses. Sendo que as estão ocorrem no dia 10 de Março.
Porque neste entretanto, é necessário aprovar o orçamento e eleger o próximo líder do PS, e tudo isto demora dois meses e tal. Passos constitucionais obrigatórios, é certo, para uma dissolução da Assembleia da República, mas extremamente longo e desajustado.
Aí, as eleições têm de decorrer no prazo de 55 a 60 dias após a publicação do decreto – que pode ocorrer no mesmo dia ou no dia seguinte da comunicação do Presidente ao país, neste caso não foi.
Isto já para não falar do facto de que a apresentação das listas de deputados ter de ser feita: “até ao 41.º dia anterior à data prevista para as eleições”. Tornando tudo isto em uma espera longa e deixando o país em standby.
A isto temos de acrescentar a contagem dos votos, que na Inglaterra é de um dia para o outro. O apuramento total em Portugal e no estrangeiro leva mais uns dias – a lei eleitoral diz apenas que: “o apuramento geral dos resultados da votação deve estar concluído até ao 10º dia posterior à eleição”.
Depois disso, a Comissão Nacional de Eleições (CNE) tem de elaborar e publicar em Diário da República um mapa oficial com os resultados – mais 1 ou 2 dias.
Momento subsequente, a Assembleia da República reúne “por direito próprio no terceiro dia posterior ao apuramento dos resultados gerais das eleições”. Nessa altura o antigo governo cai e fica em gestão até que o novo governo tome posse, sendo que não existe prazo para que isso aconteça.
Ou seja, António Costa demitiu-se no princípio de Novembro, mas o seu substituto só deverá tomar posse no início de Abril. 5 meses de uma espera interminável para um país que tanto precisa de um novo rumo.
Também é certo que a Alemanha já demorou 86 dias a formar governo e a Bélgica até esteve mais de 1 ano sem governo, mas a história lá é outra e a economia também.
O que se quer não é uma revolução, o que se procura é a contemporaneidade de um sistema que está descontextualizado com a realidade política, social e ideológica da sociedade portuguesa.
Bem sei que somos um país onde o “povo é sereno”, mas também é verdade que “o preguiçoso trabalha dobrado” e é mais do que chegado o momento de fazer uma revisão constitucional que permita introduzir as reformas estruturais necessárias, sendo a reforma política e eleitoral premente.
Só assim poderemos ter uma democracia que verdadeiramente espelhe a realidade dos factos, seja célere e sem repetições e que, acima de tudo, tenha a devida representação. Por exemplo é urgente introduzir um círculo nacional de compensação, para que todos os votos possam contar. Porque este modelo, este sistema, está definitivamente falido.
Miguel Baumgartner
Gestor e Dirigente Nacional do CDS-PP