Entranhas, histórias e a bonita viagem de Ljubomir Stanisic.
Há quem se refira a Ljubomir como um homem bruto. Não em tom de ofensa, mas talvez para assegurar a assertividade com que o chef bósnio sempre age. Desde a infância ao início de carreira, e passando agora pela televisão, esta personalidade tão importante para a gastronomia, tem vindo a distinguir-se e a captar as atenções do mundo.
Nascido na Jugoslávia e criado em Portugal, Ljubomir imigrou “com a consciência clara de que, se ficasse, naquela altura, não havia um futuro“. Esta viagem permitiu que ganhasse “uma vida inteira“ sem nunca esquecer as suas origens. No prato – o local onde a magia acontece – junta os sabores únicos, as memórias da região dos Balcãs e a aprendizagem em solo português. Uma mistura elegante e equilibrada que esconde histórias e sussurra segredos a quem prova estas iguarias.
É com confiança que serve a sua comida, mas faltava ainda saber uma curiosidade que não resistimos a perguntar. Quando questionado sobre o prato que define o lado mais duro e doce da vida, Ljubomir respondeu de forma clara: “qualquer coisa com entranhas. Adoro, são dos meus ingredientes preferidos“.
Não podemos falar deste conceituado chef sem destacar o seu papel nestes tempos negros que a restauração atravessou. A pandemia fechou a porta de muitas cozinhas, obrigou à venda através de “caixinhas“ e mudou a vida dos portugueses, principalmente aqueles que se viram sem sustento. Nesse momento, o medo não venceu e Ljubomir manteve a sua equipa adotando novas estratégias até à chegada do “dia D“ – a rebaertura do 100Maneiras e do Bistro.
Pelo caminho, algo mágico aconteceu. Na reta final de 2020, um ano que deixou pouco a desejar, chegou uma estrela Michelin que veio coroar o 100Maneiras. Na altura Ljubomir dedicou-a à equipa e mesmo agora reforça que “ganhar a estrela nunca foi um objetivo. O objetivo foi sempre construir um restaurante onde pudéssemos proporcionar a melhor experiência possível, a todos os níveis. A estrela foi o reconhecimento disso mesmo, uma consequência (muito feliz) do trabalho que fizemos, em equipa. O objetivo mantém-se: continuar a trabalhar todos os dias para surpreender, apaixonar, desafiar e proporcionar prazer a quem nos visita”.
O Bistro também não passou despercebido no mundo da gastronomia. O nome vem de um termo servo-croata que significa limpo e claro, a definição perfeita “daquilo que queremos que seja o espaço, as ideias e a comida”, explica Ljubomir.

É certo que, tanto o Bistro como o 100Maneiras, foram palco de vários momentos especiais. Aliás, quando pensa em recordações felizes, costuma lembrar-se “das pessoas que estiveram presentes: momentos de celebração com a equipa, amigos que vieram cozinhar aos meus restaurantes, festas com amigos à volta da mesa”.
No meio de tantas conquistas e derrotas, altos e baixos, ainda há pelo menos um sonho que ficou por realizar, mas que Ljubomir já esteve muito mais longe de conseguir. “O meu grande sonho é um dia conseguir mudar-me de vez para o Alentejo e abrir um restaurante em perfeita comunhão com a comunidade. Ter o queijo do vizinho, a carne produzida ali ao lado, os legumes da horta à frente“ ,e acima de tudo, “estar rodeado dos meus, e com a mesma pica de viver e devorar o mundo, sempre”.
Até lá, vai conquistando Lisboa, oferecendo experiências únicas e servindo felicidade, ao lado da sua equipa. Ljubomir quer também aproveitar o desconfinamento para visitar restaurantes portugueses “sobretudo, os dos amigos, “, diz, “sejam tascas típicas ou restaurantes de fine dining”.
Apesar do que está por vir ser sempre uma incógnita, a garra e a coragem do passado é suficiente para acreditar que Ljubomir nunca baixará os braços. Se hoje, pudesse falar com a criança que viajou até Portugal em busca de uma vida melhor diria: “tem calma, não tentes fazer tudo ao mesmo tempo. Desfruta de cada momento”, pois, afinal sempre havia um futuro brilhante à sua espera.
Este artigo foi escrito por Marta Pereira Laranjeira