Estando eu a escrever esta crónica das belas ilhas dos Açores, mais precisamente em São Miguel, poderia dedicá-la a outro tema mais leve que não a Rússia ou o ditador que a dirige, mas a situação no mundo não deixa lugar para lirismos, tanto mais quando Putin é apoderado pela ideia de que já ultrapassou a política expansionista do Imperador Pedro I, o Grande (1672-1725).
Quem defende os Direitos Humanos na Rússia e no mundo?
O lugar para anunciar tal “sucesso” não podia ser o “melhor”: numa reunião do Conselho para o Desenvolvimento da Sociedade Civil e Direitos Humanos junto do presidente da Rússia. Tendo em conta o clima de terror e perseguição que se vive nesse país, esse nome é uma autêntica profanação de princípios vitais para a Humanidade.
Aliás, este paradoxo cínico não preocupa os membros do dito Conselho. Valery Fadeev, dirigente desse organismo, deixa claro o nível do trabalho por ele realizado apenas numa frase: “em Novembro, nós, juntamente com colegas alemães, bem como com representantes da China, Argentina, Uzbequistão, República Democrática do Congo e Irão, realizámos, em Iaroslavl uma conferência sobre o tema “Humanismo e Direitos Humanos”. Mesmo desconhecendo quem são os “colegas alemães” [espero que nenhum deles tenha sido detido pela polícia germânica ao tentar impedir um golpe de Estado], pode-se concluir pelos restantes participantes de que “humanismo” e “direitos humanos” se trata. Só faltaram mesmo representantes da Coreia do Norte, Cuba, Nicarágua e Venezuela para “encher a caderneta de cromos”.
O ditador Vladimir Putin voltou a brilhar, mas, desta vez, não para se comparar ao Imperador Pedro I, o Grande, mas para o ultrapassar na “campanha de conquistas”. Sublinhando com força uma folha de papel que segurava com a mão e com um sorriso cínico nos lábios, afirmou: “Apareceram novos territórios, isso é um resultado significativo para a Rússia. E, para quê esconder o pecado, o Mar de Azov tornou-se um mar interno da Federação da Rússia… Pedro I só combateu para conseguir uma saída para o Mar de Azov”.
Quando é que Putin fala verdade?
Por ser inútil, não me vou dedicar a analisar a citada comparação, mas vale a pena compará-la com declarações anteriores do ditador Putin.
No dia em que foi desencadeada a invasão da Ucrânia por tropas russas (24.02.22), ele declarou: Vamos esforçar-nos por desmilitarizar e desnazificar a Ucrânia. Nos nossos planos não está a ocupação da Ucrânia. Não tencionamos impor à força seja o que for e a quem quer que seja”.
Quase um mês depois, a 16.03.22, ele voltou a jurar que “o aparecimento de tropas russas nos arredores de Kiev e de outras cidades russas não está ligado à intenção de ocupar o país. Não temos semelhantes objectivos”.
Como é habitual depois de declarações bombásticas do ditador, Dmitri Peskov, o seu porta-voz sombra, veio hoje tentar “pôr água na fervura” com a declaração: “Não se trata disso [da conquista de novos territórios ]. Pelo menos, não foram feitas nenhumas declarações a esse propósito. Mas, não obstante, ainda há muito trabalho a fazer para a libertação de territórios. Sabeis que, numa série de novas regiões da Federação da Rússia, há territórios ocupados que devem ser libertados”.
Outra vez a russofobia
Na reunião acima citada, falou-se muito da “russofobia” no Ocidente, mas não se vê o regresso de russos à pátria, nem mesmo dos apoiantes de Putin que aqui vivem. Aliás, para os putinistas é mais cômodo apoiar o seu “czar” a partir da Europa, continente que, segundo a propaganda russa, continua a “degenerar”.
Encontrei em São Miguel uma cidadã da Federação da Rússia e a primeira pergunta que lhe fiz foi se passou a ter algum problema depois da invasão da Ucrânia pelas tropas russas. Ela respondeu que nenhum, sublinhando que até com os ucranianos as relações são normais.
O Kremlin quer vender a mensagem que a russofobia é sinónimo de putinofobia, o que está longe da verdade. Pelo menos para mim.