Tenho um amigo muito antigo e assumidamente antiquado.
Tem telemóvel, mas só o usa para falar. Recusa mandar mensagens. Diz que só de viva-voz se sente a alma das pessoas. Tenho a certeza que ajudará imenso numa altura em que a nossa voz parece ter deixado de ter importância. Dizemos o que queremos dizer por mensagens escritas e cada vez mais curtas. Afinal, as tecnologias servem para isso.
Já mal falamos, a não ser por estrita necessidade profissional ou social, e muitas vezes apenas conversas de circunstância.
Os sons das nossas vidas resumem-se aos ruídos do quotidiano. Transito, trabalho, mais transito. No final de cada dia, muitas vezes com a conivência das televisões ou dos telemóveis, arranjamos desculpas para não falar.
Está-se cada vez mais no “nosso mundinho”. Para nosso mal.
Este Natal, duas operadoras de comunicações fizeram anúncios a falar de problemas de isolamento que nos afetam, dos quais muitas vezes só nos apercebemos quendo é demasiado tarde.
Guardamos os problemas e pensamos que ninguém faz parte da solução.
Outro anúncio aborda as doenças mentais: aquelas que não são visíveis, aquelas que se escondem.
Os números mostram que 22,5 por cento das patologias dos portugueses estão relacionadas com doenças mentais, segundo um estudo feito pela Ordem dos Psicólogos Portugueses.
Números de 2019 -muito desatualizados- dizem que 18,4 da população tem uma perturbação de qualquer ordem no âmbito da saúde mental. 12 por cento tem uma depressão crónica.
A seguir ao confinamento, por causa da COVID 19, mais de 47 por cento dizia que sentiu ansiedade, stress ou angústia.
Não há ainda –por circunstâncias várias – um Serviço Nacional de Saúde preparado para trabalhar em conjunto para fazer face a esta realidade. Tomam-se antidepressivos de uma forma impressionante: 28 mil embalagens são vendidas diariamente nas farmácias.
Que tem esta realidade a ver com as palavras? No meu entender, tem tudo.
Pode parecer uma panaceia, mas, falar ajuda. Conversar ainda é melhor. E mostrar o que se sente pode ser o passo para ter ajuda, com menos químicos e mais investimento na saúde.
Tem de ser reinventada a linguagem oral como o meio de comunicação privilegiado, para nos entendermos. E para nos ajudarmos.
Sem teclados, sem redes sociais que nos iludem com a exibição de falsas felicidades e vidas fantásticas, neste mundo nada fácil.
É urgente que procuremos ter novamente voz, para que se veja a nossa alma.
Escrevo esta crónica no início de dezembro porque bem pode ser uma decisão natalícia: inventar de novo a força das palavras!
Paula Magalhães