
A New Men esteve à conversa com Catarina Furtado, no âmbito da XI Conferência da Associação Corações Com Coroa.
A reconhecida apresentadora, atriz, embaixadora e ativista irá abrir a XI Conferência da Associação Corações Com Coroa, a associação que fundou em 2012 e que agora está prestes a completar 12 anos de existência.
Em entrevista exclusiva à New Men, Catarina Furtado abordou a recente homenagem concedida pelas Nações Unidas e da XI Conferência da Associação Corações Com Coroa, que terá lugar no dia de hoje.
Recentemente, distinguida pela ONU por ser “defensora global de mulheres e raparigas”. Estas distinções motivam-na a intervir cada vez mais?
Catarina Furtado: Eu não posso afirmar estas distinções, porque de facto esta é uma distinção muito única, é um reconhecimento com a atribuição de um prémio que significa o trabalho voluntário de 23 anos ao serviço do fundo das Nações Unidas para a população enquanto Embaixadora de Boa Vontade, portanto uma distinção destas eu nunca tinha recebido, já recebi muitos prémios de carreira enquanto comunicadora, e também muitos prémios ao nível da área do meu trabalho social, da solidariedade, quer através do trabalho que faço com a Corações Com Coroa, quer com a UNFPA, quer também de Direitos Humanos, mas esta distinção é única. É uma distinção que me deixou muito comovida e que me deixou ao mesmo tempo muito reconhecida, porque de facto apesar de tudo eu sou uma portuguesa, uma gota de água, não tenho a visibilidade que outros embaixadores da Boa Vontade das Nações Unidas têm, no entanto foi reconhecido que eu tenho a mais longa de todas, que sou, e foi dito no discurso, aquela que tem trabalhado mais nesta área e que tem feito um trabalho continuado e sustentável em muitos países em desenvolvimento. Já foram mais de 12, eu já fui a Moçambique, a Cabo Verde, a São Tomé, Guiné Bissau, Timor Leste, Indonésia, Haiti, Sudão do Sul, Índia, Bangladesh, Líbano, Ganda, Gana, Egito e na verdade são países cujo os direitos das meninas e das mulheres são violados todos os dias, e cujo o investimento na saúde sexual e reprodutiva no planeamento familiar voluntário e no potencial dos jovens está muito aquém do que poderia ser, sendo que está provado efetivamente que se houver um investimento nesta área, na saúde e na educação sexual e reprodutiva, nos diretos sexuais e reprodutivos, vamos ter obviamente meninas e raparigas mais empoderadas, com poder de escolha e isso reduz significativamente a pobreza nestes países. Para além disso tenho um reconhecimento um bocadinho mais óbvio nos países lusófonos, que me conhecem, também através dos programas que faço na RTP e portanto é um reconhecimento que me deixou com uma responsabilidade acrescida de querer fazer mais e melhor, ainda me motivou mais, é evidente que estes prémios dão sempre uma motivação extra, não é que eu precisasse, porque eu tenho estas causas já muito tatuadas na minha vida, já se confundem com eu enquanto mulher, eu enquanto cidadã, eu enquanto comunicadora e eu enquanto mãe.
Em 2000, acabou por ser nomeada Embaixadora da Boa Vontade. Assistimos a uma Catarina Furtado diferente desde aí?
Catarina Furtado: Sim, de facto quando fui nomeada pelo então Secretário-Geral das Nações Unidas, Kofi Annan, em 2000 estava longe de imaginar o que iria encontrar no mundo, sabia que o mundo era desajustado, injusto, desigual, até porque o meu pai enquanto jornalista sempre me trouxe estas realidades, o trabalho infantil, desigualdade de género, mas eu estava longe de imaginar. Sempre manifestei desde que comecei a trabalhar há 32 anos em televisão as minhas preocupações comas questões dos direitos humanos, mas estava longe de perceber que de facto as prioridades dos governos nunca passam pela saúde materna, pela saúde sexual e reprodutiva, pelos direitos das raparigas, meninas e das mulheres, pela violência com base no género e aqui estamos a falar obviamente dos casamento precoces, forçados, das gravidezes adolescentes não voluntárias, da mutilação genital feminina, todos estes atentados à saúde e educação das meninas, porque são elas que muitas vezes deixam de ir à escola, ou porque apareceu a menstruação, ou porque têm de casar, ou porque engravidaram e são imediatamente afastadas da escola e de poder realizar o seu potencial. Portanto eu estava longe de imaginar, o que eu passei a perceber é que aquilo que me é dado e ainda me é dado, isso faz parte do trabalho do UNFPA dão-me os relatórios e as estatísticas para eu estudar e depois eu no terreno sou confrontada quando vou fazer as visitas ao terreno, a convite deles ou mesmo para os meus documentários “Príncipes do Nada”, eu sou confrontada no terreno exatamente com esses números, ou seja, eu transformo os números que são apenas estatísticas no papel com a realidade. Portanto, eu falo com raparigas que não queriam casar e que estão com 12, 13, 14 anos casadas com homens de 60. Eu falo com jovens que não queriam engravidar, mas não têm realizados feitas as suas necessidades do ponto de vista do planeamento familiar voluntário, não lhes é dada essa oportunidade. Eu falo com meninas que queriam estudar, mas que estão escravas a trabalhar. Enfim, e todas estas realidades mudaram muito a minha perspetiva. Sou hoje mais informada e por isso tenho a obrigação, quanto mais informados estamos tenho obrigação de usar esta informação para agir, para denunciar, para construir.
A Catarina entende que o facto de ser uma das personalidades mediáticas mais conhecidas de Portugal, se torna num ponto positivo na hora de transmitir a mensagem?
Catarina Furtado: De facto este título, Embaixadores de Boa Vontade das Nações Unidas, nasceu com a UNICEF há muitos anos com a Audrey Hupburn, a atriz, mas todas as agências das Nações Unidas, UNICEF, ACUNUR por exemplo que teve durante muito tempo a Angelina Jolie, de facto têm este título para que, porque são pessoas que são muito conhecidas, quer nos seus países, quer até mundialmente e por isso mesmo tendencialmente o público ouve com mais atenção e por isso são destacadas estas pessoas para poderem transmitir a mensagem. A verdade é que muitos deles passado algum tempo do seu mandato são convidados a sair, porque as Nações Unidas entendem que o trabalho não foi feito ou com verdade, ou com dedicação, ou com empenho, porque pressupõe que nós tenhamos uma capacidade criativa para poder falar sobre estas temáticas, ou seja, como é que nós vamos ter mais palco para falar sobre estes temas para a opinião pública. Eu inventei os “Príncipes do Nada” por exemplo, foi uma forma que arranjei para poder mostrar o trabalho que as organizações não governamentais, as sobretudo também do UNFPA, faço muitas das vezes conferências, tertúlias, junto a imprensa comigo e vou às escolas e às universidades, mas de facto há um termo, há um limite, as Nações Unidas quando chegam ali ao quinto ano de mandato, ou nós recebemos uma carta a convidar para continuar com o mandato ou somos inclusivamente convidados a sair, se o trabalho não for do agrado da agência. Ao longo destes anos, e por isso o prémio também vem nesta altura, fui sempre reconduzida, recebi sempre uma carta a dizer “gostámos muito do seu trabalho e portanto convidámo-la, se estiver interessada, a continuar connosco” e isso deixa-me muito contente, foi o Secretário-Geral das Nações Unidas Kofi Annan e depois foi renovada por Ban Ki-moon e agora renovada por António Guterres, portanto supostamente sim, por ser conhecida, mediática no meu país, sou mais ouvida, mas também digo que, só por si isso não conta, ou seja, se não houver uma carreira sustentada, de credibilidade, de resistência, de resiliência com estas temáticas, o público não é burro e percebe que são apenas manobras de charme e de popularidade e já não ouve. No meu caso felizmente têm ouvido porque é a minha autenticidade, quer dizer isto é o que eu quero realmente, é o meu propósito, é a minha missão de vida e, portanto, ela depois encontra outros caminhos até através da Corações Com Coroa.
De que forma, se identifica com o propósito da Associação?
Catarina Furtado: Eu há 11 anos, fruto desta experiência e conhecimento e saber que tenho adquirido enquanto embaixadora do fundo das Nações Unidas para a população, decidi criar em Portugal a Corações Com Coroa. É uma associação sem fins lucrativos, mas é também uma organização governamental para o desenvolvimento, o que quer dizer que também pode, tem o estatuto atribuído pelo instituto Camões, o que quer dizer que também pode fazer projetos que sejam implementados fora do nosso país. A Corações Com Coroa, a CCC, atua essencialmente em Portugal, também temos um projeto na Guiné-Bissau, na maternidade Simão Mendes, criámos sete enfermarias, sete alas para que as mulheres na Guiné-Bissau tenham partos com dignidade, instalámos, mobilámos e demos formação aos técnicos de saúde, mas essencialmente o trabalho é aqui em Portugal e porquê? Porque de facto as estatísticas também são claras, apesar de sermos um país desenvolvido estamos ainda muito longe de ter uma igualdade de género e essa desigualdade de género manifesta-se em várias áreas, não só nas disparidade salarial, mas também do não acesso às mesmas oportunidades que os homens têm, a subida de careira, nas questões da parentalidade, nas questões da conciliação profissional e familiar, ainda há muitas mulheres que gostariam de ter mais filhos mas que não têm proteção social para o ter, muitas mulheres que estão completamente sozinhas com os seus filhos e que são elas que têm que sobreviver e dar as condições para os seus filhos puderem continuar na escola e portanto esta realidade é uma realidade portuguesa. Também temos muitas mulheres que vieram de outros países, que os filhos já são portugueses também, mas não têm apoios, não têm proteção social. E nós atuamos aqui, portanto, para mim o propósito da Corações Com Coroa é uma espécie de continuidade daquilo que é o trabalho com as Nações Unidas, com a UNFPA, e na verdade assim em números grossos já demos 34 bolsas de estudo universitárias, estamos neste momento a recrutar mais três, já empoderámos, capacitámos, informámos, reerguemos vidas de 699 mulheres através do atendimento gratuito com as nossas técnicas de psicologia, de serviço social, de apoio jurídico, de apoio dentário. Já fomos a 175 escolas do país, já atingimos mais de 11 mil alunos e alunas com o projeto contra a violência no namoro, que é altíssimo, as taxas são altíssimas em Portugal e o bullying, vamos agora fazer um novo projeto contra o racismo, temos um projeto contra a pobreza menstrual que também vamos a muitas escolas e temos a conferência que estamos a fazê-la e prepará-la para amanhã que achamos que é importante com entrada gratuita refletir os problemas que nós trabalhamos na nossa Corações Com Coroa, realmente para que possamos contruir juntos um país bastante mais inclusivo e também igualitária, já que a nossa área é obviamente a igualdade de género e o potencial dos jovens.
A par das causas sociais, também leva uma vida de grande sucesso no grande ecrã. Tem algum projeto de futuro que nos possa revelar?
Catarina Furtado: Eu já não consigo distinguir a minha função enquanto ativista, promotora dos Direitos Humanos e comunicadora. Tudo se mistura já no meu ser, na minha maneira de estar na vida, na minha conduta, no meu propósito, na minha missão. Mas sim, sou muito grata a estes 33 anos de televisão enquanto comunicadora, enquanto atriz, enquanto até autora de programas de televisão, como por exemplo, o último “É Urgente o Amor”, e tenho de agradecer ao público porque sou sempre muito mimada e ano após ano, já são três décadas, eu sinto um carinho muito grande por parte do público e isso eu sou de facto muito muito agradecida. Projetos tenho já em carteira o próximo “The Voice Gerações” e também o “The Voice” adultos, portanto vai-me ocupar aqui todo o meu verão e final de verão.
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Crédito de imagem de destaque: Global Imagens