
As taxas de juro diretoras do Banco Central Europeu (BCE) estão, atualmente, no patamar dos 4%, depois de o regulador ter decidido mantê-las inalteradas na sua última reunião de política monetária. Embora a inflação na Zona Euro tenha descido até aos 2,9% em outubro – estando mais próxima da meta de 2% traçada pelo guardião da moeda única -, o futuro da evolução das taxas de juro continua sob alerta, sobretudo devido às incertezas geopolíticas, como a guerra na Ucrânia e o conflito no Médio Oriente. Num momento em que é “difícil” fazer previsões quanto ao futuro da evolução dos juros do BCE – que impactam diretamente no custo e condições dos empréstimos para comprar casa -, Juan Villén, diretor-geral do idealista/créditohabitação para Espanha, Itália e Portugal, recomenda às famílias que tenham “cautela” e que “façam as suas contas assumindo um cenário de taxas de juro altas por um longo período”.
Ao definir a estratégia da sua política monetária, o BCE tem-se mostrado determinado em subir as três taxas de juro diretoras na medida necessária para travar ainflação na Zona Euro – que no mês passado atingiu a variação mais baixa dos últimos dois anos. Na última reunião de outubro, depois da continuada onda de subidas, o regulador europeu optou fazer uma pausa no aumento dos juros – que se refletem tendencialmente nas Euribor – deixando-os no atual patamar dos 4%.
“Vencer a inflação é uma tarefa difícil e não pode ser alcançada num curto período”
Mas será que já se chegou ao limite máximo das taxas de juro diretores e vai começar a sentir-se um alívio no mercado de crédito habitação? Em entrevista ao idealista/news, Juan Villén alerta que “vencer a inflação é uma tarefa difícil” e, tendo em conta “as incertezas geopolíticas e a proximidade do inverno, e o seu possível impacto nos preços da energia, deveríamos ter cautela na hora de considerar o fim da escalada das taxas de juro diretoras”. Para tentar antecipar o futuro da política monetária do BCE, há que “olhar para as variáveis externas mais de perto, nomeadamente a evolução das guerras [na Ucrânia e no Médio Oriente], das cadeias de abastecimento, do crescimento económico ou da inflação”.
A própria Christine Lagarde já avisou que “se surgirem grandes choques, dependendo da sua natureza, teremos de rever a política monetária”. E um dos riscos apontados trata-se precisamente da possibilidade de o conflito no Médio Oriente escalar, aumentando o preço do petróleo e ameaçando a descida da inflação. “Temos que monitorizar realmente o preço da energia daqui para frente”, disse Lagarde. E o vice-presidente do BCE, Luis de Guindos, deixou claro que é “claramente prematuro” falar em reduzir os juros diretores.
Neste contexto de incerteza quanto ao futuro das taxas de juro do BCE – que está a deteriorar o acesso à habitação na Europa e a abrandar a construção de casas novas – há algo que as famílias devem fazer, segundo aconselha Juan Villén: “Recomendo cautela aos consumidores, que façam as suas contas assumindo um cenário de taxas de juro altas por um longo período. E até que façam um planeamento das suas finanças familiares com taxas um pouco mais elevadas, para que estejam prevenidos”, diz o especialista internacional.
Juan Villén, diretor-geral do idealista/créditohabitação para os três mercados do sul da Europa, explica em detalhe como é que os elevados juros do BCE estão a impactar o universo do crédito habitação e do imobiliário na Europa, nesta entrevista que agora podes ler na íntegra.
O BCE decidiu fazer uma pausa no agravamento dos juros na reunião de outubro, depois de as ter subido em setembro para 4,5%. De que forma é que esta decisão foi recebida a nível europeu?
O BCE tem mostrado sinais de determinação na hora de subir as taxas de juro na medida necessária. E a atual pausa parece indicar que há razões para pensar que a inflação na Zona Euro poderá entrar numa fase de contenção e redução, o que poderá significar que estamos a chegar a um limite máximo das taxas de juro.
Mas os dados históricos dizem-nos que vencer a inflação é uma tarefa difícil e que não pode ser controlada num curto período. E se a isto somarmos as incertezas geopolíticas e a proximidade do inverno, e o seu possível impacto nos preços da energia, deveríamos ter cautela na hora de considerar o fim da escalada das taxas de juro diretoras.
“Um ambiente de taxas de juros mais altas dificulta o acesso a habitação própria”
Que consequências tem a atual política monetária no mercado imobiliário?
As consequências são muito claras – e devo dizer negativas. Um ambiente de taxas de juros mais altas dificulta o acesso a habitação própria, pois expulsa do mercado as famílias com menor poder de compra.
Além disso, as taxas elevadas têm um impacto direto na rentabilidade dos novos empreendimentos, o que, juntamente com o aumento dos custos de materiais e mão de obra, está a abrandar a atividade na construção de nova habitação, algo essencial em quase toda a Europa devido à falta de oferta e excesso de procura, principalmente nas grandes cidades, gerando um desequilíbrio que mantém os preços das casasmuito elevados.

Um recente inquérito do BCE aos consumidores conclui que a perceção das famílias da Zona Euro sobre a habitação como bom investimento tem vindo a deteriorar-se. Porque é que isto está a acontecer?
Atualmente, existem fundamentalmente dois fatores que influenciam esta perceção:
- por um lado, as regulamentações que tentam proteger os inquilinos dos proprietários, acabam por reduzir a atratividade da habitação como fonte de rentabilidade;
- por outro lado, taxas de juro mais elevadas levaram ao reaparecimento de fontes alternativas de rentabilidade mais conservadoras, como certificados de aforroou títulos de grandes empresas. Por exemplo, muitos investidores estão a “estacionar” o seu dinheiro em títulos públicos, que dão um retorno razoável, estando à espera de melhores tempos no mercado imobiliário.
“O acesso ao crédito habitação foi reduzido, não tanto porque os bancos se tornaram mais conservadores, mas sim porque os cálculos [das taxas de esforço] são feitos com juros mais elevados”
Como avalia o acesso ao crédito habitação na Europa (mais ou menos restritivo)? E no Sul da Europa?
O acesso ao crédito habitação foi reduzido, não tanto porque os bancos se tornaram mais conservadores, mas sim porque os cálculos [das taxas de esforço] são feitos com juros mais elevados, o que tem feito com que uma parte das famílias que pedem crédito habitação não cumpra as exigências dos bancos, sobretudo, no que diz respeito à sua capacidade financeira de pagar a prestação mensal.
A isto devemos acrescentar que o aumento dos custos em geral reduz o poder de compra e a capacidade de economizar. E isso impacta na acumulação das poupanças necessárias para pagar a entrada de uma casa, num mercado em que os preços das habitações não estão a descer.

Qual é o papel dos intermediários de crédito neste processo?
Os intermediários de crédito desempenham um papel cada vez mais importante, sobretudo num ambiente como o atual, de grande incerteza e com muitas instituições de crédito a alterar constantemente a sua oferta de crédito habitação. Os intermediários de crédito não só facilitam os procedimentos, poupando muito tempo, como também conhecem todas as alternativas existentes no mercado, podendo ajudar as famílias a escolher a opção que melhor se adapta às suas necessidades.
“Os intermediários de crédito (…) podem ajudar as famílias a escolher a opção que melhor se adapta às suas necessidades”
Qual é a relação entre os bancos e os intermediários de crédito? Existem modelos diferentes a nível nacional?
A relação é colaborativa, mas sempre salvaguardando os objetivos de cada um. Os bancos utilizam os intermediários de crédito como fonte de captação de clientes, bem como filtro para otimizar o seu trabalho e reduzir a sua carga administrativa, mas mantendo sempre o controlo do risco e da sua política de preços.
Os intermediários, por seu lado, têm nos bancos os seus principais aliados para oferecer às famílias uma grande variedade de opções. Mas devem sempre manter a independência dos bancos, para não cometerem o erro de limitar a oferta aos consumidores.
Embora existam modelos diferentes, como o encaminhamento de leads qualificados para os bancos, o modelo que se está a impor, fundamentalmente pelo alinhamento de interesses entre as partes, é o chamado “broker hipotecário”, onde ointermediário realiza tarefas de qualificação de clientes, mas também de recolha e preparação de documentação, facilitando ao máximo a tarefa aos bancos. E a isto se soma ainda a componente tecnológica, com integrações entre as partes que facilita o trabalho e se traduz num melhor e mais rápido atendimento às famílias, bem como na poupança de custos.

Como avalia a oferta de taxa mista e fixa a nível europeu? Quais são os riscos de um aumento do peso dos créditos habitação a taxa variável em vários países (como Finlândia e Lituânia)? Qual é o possível impacto no sistema financeiro europeu e na economia numa perspetiva macro?
Os consumidores dos países onde os créditos habitação de taxa fixa e mista são mais relevantes sofrem menos num ambiente de subida dos juros, pelo que o aumento das situações de incumprimento deverá ser menor. Ainda assim, há que ter em conta que existem outros fatores que têm grande influência, como o rendimento disponível, a poupança acumulada ou a taxa de desemprego, que neste momento se mantém muito melhor do que o esperado – pelo menos até agora.
“É muito difícil prever como vão evoluir os preços das casas no futuro.”
Ao nível dos depósitos bancários, as remunerações variam muito na Europa, apesar da subida dos juros do BCE ser igual para os Estados-membros. O que justifica esta mudança?
A situação bancária de cada país é diferente, tanto em termos de necessidades de financiamento, como na concorrência. Há países onde o aumento dos juros foi transferido muito rapidamente para a remuneração dos depósitos, enquanto noutros, como Espanha e Portugal, esta transferência está a demorar mais, porque há um excesso de passivo nos bancos, pelo que não veem esta remuneração como urgente. Por outro lado, embora tardia, deverá ocorrer um aumento da remuneração dos depósitos se as taxas permanecerem elevadas durante algum tempo.
A queda dos preços das casas na Europa será gradual, segundo a S&P. Como vê o comportamento dos preços das casas no futuro no velho continente? E no sul da Europa?
É muito difícil prever como vão evoluir os preços das casas no futuro. Parece que existe um denominador comum, especialmente nas grandes cidades, que é o excesso de procura e pouca oferta, e isto está a sustentar os preços das casas mais do que muitos esperavam. Dito isto, existem outros fatores, como a subida acumulada [dos preços] ou a situação económica de cada país, que irão influenciar muito a evolução dos preços das casas.
No sul da Europa, sem dúvida, o denominador comum é esta falta de oferta de habitação, tanto para comprar, como para arrendar. E a solução para isso, mesmo que a procura seja um pouco reduzida, não se encontra no curto prazo.

Como antecipa as próximas decisões do BCE para a reunião de 14 de dezembro de 2023? E para o próximo ano? Até onde pode chegar a Euribor? E quando vai descer?
Não creio que faça sentido fazer previsões, porque a experiência diz-nos que estamos a perseguir um alvo em movimento, afetado por muitas variáveis externas incontroláveis. Creio que deveríamos olhar para estar variáveis mais de perto, nomeadamente a evolução das guerras [na Ucrânia e no Médio Oriente], das cadeias de abastecimento, do crescimento económico ou da inflação, para podermos inferir a política monetária do BCE no futuro.
Recomendo cautela aos consumidores, que façam as suas contas assumindo um cenário de taxas de juro altas por um longo período. E até que façam um planeamento das suas finanças familiares com taxas um pouco mais elevadas, para que estejam prevenidos. Não esqueçamos que, embora as taxas Euribor possam parecer elevadas agora, em 2008 subiram acima dos 5%. E, se olharmos ainda mais para trás, vivemos tempos de inflação a dois dígitos.
“Em concreto no crédito habitação, é fundamental que as famílias façam uma análise da sua situação atual”.
Como podem as famílias prevenir-se de situações de incumprimento bancário, perante a subida dos juros? E como podem ajudar os intermediários de crédito habitação?
As famílias são responsáveis pelas suas finanças pessoais, por isso, devem ser elas a fazer o planeamento a este nível. Nesse cenário, o fundamental é entender a suasituação financeira atual, tanto em termos de estabilidade de rendimentos, como em termos de expetativas de despesas e poupanças. A partir daí, as famílias devem prever como seria a adaptação da sua situação financeira num cenário de taxas mais altas, ou até mesmo de redução dos seus rendimentos.
Em concreto no crédito habitação, é fundamental que as famílias façam uma análise da sua situação atual. E podem contar com os intermediários de crédito para analisar o mercado e ver quais são as alternativas que lhes permitem poupar dinheiro no crédito habitação atual ou até ver as alternativas para mudar um empréstimo a taxa variável para um crédito a taxa mista ou fixa, que os proteja de um cenário de juros mais elevados.
Como vê o futuro da intermediação de crédito, sobretudo com a chegada da inteligência artificial?
Acredito que a intermediação de crédito na Europa está a evoluir muito, embora o seu grau de maturidade varie muito entre os diferentes países. Na Alemanha ou no Reino Unido a atividade está mais desenvolvida, enquanto em Espanha, por exemplo, ainda há um longo caminho a percorrer.
O futuro passa, sem dúvida, pela capacidade de agregar valor tanto para os consumidores, poupando-lhes tempo e dinheiro na procura do crédito habitação, como para os bancos, enquanto canal de negócio que lhes permite chegar aos clientes de forma eficiente. Neste sentido, a tecnologia já desempenha – e desempenhará – um papel fundamental na oferta de soluções rápidas, seguras, transparentes e eficientes para todas as partes.