Estivemos à conversa com Mafalda Nunes, dona do restaurante e casa cultural, Casa Mocambo
Sente-se, descontraia e fique a conhecer um cantinho muito especial em Santa Apolónia.
Alfacinha de gema, Mafalda “enamorou-se” por vários lugares por onde viajou. No entanto, a temática da lusofonia sempre a interessou. Depois de viver em Moçambique e em Angola, teve a ideia de abrir, em Lisboa, um espaço onde conseguisse dinamizar a cultura associada à lusofonia.
Naturalmente, a cultura também passa pela gastronomia, daí ter surgido a ideia do restaurante. Por outro lado, infelizmente, sabia que a cultura sozinha, ou por ela própria, não vingaria. Daí ter juntado o útil ao agradável, ao criar esta simbiose entre casa de cultura e restaurante.
Assim, em 2016, abre portas a Casa Mocambo.
Porquê “Casa Mocambo”?
“Mocambo” é um termo que vem de um dialeto do sul de Angola, e que significa “retiro”, ou um sítio acolhedor. A vizinha Moçambique também tinha, há alguns anos, uma baía chamada Mocambo. Mais tarde, este termo deu origem à palavra “Quilombo”, que significa “refúgio”, e que era o local para onde os escravos africanos, no continente americano, fugiam dos seus Senhores, conquistando assim a sua liberdade.
Portanto, a Casa Mocambo pretende reunir todos estes significados, e criar um espaço de comunhão e divulgação de todas estas culturas que se cruzam em Lisboa.
Ao entrar neste espaço cultural, somos invadidos por uma atmosfera muito própria. Reinam as cores quentes onde se misturam a arte, a roupa, – e agora também as máscaras! – tradicionalmente africanas.
Ficámos ainda mais curiosos por saber, afinal, o que se pode comer aqui.
Como seria de esperar, desde as entradas às sobremesas, os alimentos que aqui reinam são os “tropicais” – o coco, o maracujá, a manga, o amendoim, a mandioca…
Alguns dos pratos com mais saída são, inevitavelmente, a cachupa cabo-verdiana, a moqueca de peixe e o caril de amendoim.

No que toca às bebidas, toda a gente adora o facto de terem Cuca, a mítica cerveja angolana, o Grogue de Cabo Verde, mas também os sumos naturais, o sumo de gengibre, e o Bissaco, que é um sumo de flor de Hibisco, tradicional da Guiné, e bem conhecido pelas suas propriedades antisséticas.

Não esquecer o picante, que é caseiro e com inspiração moçambicana!
Quanto às sobremesas, a mousse de maracujá e de manga são as fixas, mas também pode contar com bolos caseiros, como bolo gelado de coco.
O restaurante conta com dois pisos, sendo que o de baixo serve mais para eventos. Eventos esses que vão desde festas, a lançamento de livros, passando por ciclos de cinema. Naturalmente, todos eles ligados às questões da afro-descendência.
Numa tentativa de minimizar os efeitos da crise económica, por que passam a maioria dos restaurantes, a Casa Mocambo associou-se a Chalo Correia, um artista “lisboeta” angolano, que atuou o ano passado no palco principal do festival Iminente, e que todos os sábados acompanha os jantares com a sua música.

O que, na opinião de Mafalda, serve também para “ajudar as pessoas a desconfinar de facto ou a sentirem que se mantém, dentro do possível, o espírito da Casa Mocambo a que estavam habituadas”.
Claro que não podíamos acabar a nossa conversa sem uma pergunta provocatória, se bem que atual e natural.
Já teve algum episódio de racismo aqui no seu restaurante?
A dona confessa-nos que já sentiu racismo quanto à casa, não propriamente quanto a ela, mas que acaba por passar por ela, visto que ela é a imagem da casa. No entanto, acredita e defende que existe, sim, racismo em Portugal.
Não acredita que Portugal seja o extremo do racismo, exatamente pela herança cultural que temos e da qual muitas vezes nem nos apercebemos, mas também por ter viajado para outros países e ter a noção da diferença…
Pedimos-lhe que nos desse um exemplo de uma situação que tivesse vivido no restaurante, e que tivesse considerado racista.
“Havia um senhor aqui do bairro, que até era um cliente regular, e que usava aquelas roupas de caqui, sabes? Aquelas roupas tradicionalmente colonialistas. Dizia que era angolano, e na verdade era mesmo, mas ainda se referia às cidades angolanas pelo antigo nome colonial – A Nova Lisboa, por exemplo.
Nessa altura, estava a fazer frente de sala um amigo meu angolano, que até era uma pessoa formada e educada, mas que infelizmente teve de vir para Portugal quando começou a crise.
Quando o tal senhor entrava no restaurante, tratava o rapaz como um reles, ou um “empregadozeco” e pedia-lhe muitas vezes para me chamar para falarmos um pouco do “nosso Império” … eu ainda desvalorizei e pensei que o senhor tinha ficado parado no tempo… mas um dia fartei-me daquela conversa – e de muitas outras – e tive de lhe explicar que o “Império” era uma coisa desatualizada e não se adequava ao conceito da Casa Mocambo. A verdade é que o senhor nunca mais lá foi.”
Considera, no entanto, que as gerações mais jovens estão a dar o exemplo contrário. Há uma busca e uma curiosidade cada vez maiores pelas culturas africanas e brasileiras, seja pela música, pela arte ou pela gastronomia.

Deixamos-lhe algumas informações acerca do restaurante:
Preço médio por pessoa: 13€
Horários:
Almoço: Todos os dias, das 12h às 15h- com reserva obrigatória.
Jantar e Petiscos: Quarta a Domingo, das 19h às 23h. (Segunda e Terça apenas com reserva)
Ementa toda disponível, sendo que alguns pratos fazem parte apenas dos menus de grupo.

Lotação máxima atual: 20 pessoas.
Este artigo foi escrito por Sofia Benedito