A New Men esteve à conversa com Carolina Amaral.
Dona de um percurso vasto e imbuída de uma paixão fervorosa pela arte, Carolina Amaral está nomeada para o prémio revelação dos Globos de Ouro e a New Men esteve à conversa com a atriz.
Aventurou-se desde cedo por terras francas e chegou a Paris, ao Conservatoire National d’Art Dramatique, com apenas 20 anos. Apesar de jovem, Carolina Amaral já tinha pisado os palcos das duas grandes metrópoles portuguesas.
Segundo a atriz, o conservatório revelou-se uma escola bastante exigente e com um espírito que considerou “mais competitivo”, em relação ao que tinha vivido em Portugal. Na altura, falava o francês básico e integrar um grupo e cultura diferentes tornou-se um desafio, algo mais “agressivo”, conta.
Paris está associado ao romantismo e a atriz pôde vivê-lo através da oferta cultural da cidade, “quando atravessava a cidade, ia ver exposições, galerias e sem dúvida que eu me deixava inspirar”. Agora, com algum distanciamento, recorda os seus dias no Conservatório como uma experiência “muito vibrante”.
“A cultura suporta uma determinada forma de estar”
Ao pôr em perspetiva o teatro português e o teatro internacional, a atriz não deixa de destacar a unicidade e o universo próprios de cada projeto, bem como a bagagem de cada encenador, mas aponta o “desafogo financeiro” como o principal fator de diferença entre os dois. Contudo, para Amaral não há uma base comparativa muito evidente “O espetáculo de Guz Van Sant, além de ser um musical, o desafio era outro. Ele viveu a época, portanto, trazia essa bagagem consigo”, conta.
“Não há medo de errar”
Para Carolina, o teatro é em si uma experiência que permite aos intérpretes extrapolar o que foi delineado e percorrer um caminho na construção das personagens, numa base de tentativa erro, até atingir aquilo que se pretende projetar. “É feito de um tempo e espaço, de encarar o desconhecido a cada vez de uma forma temerária e corajosa”, afirma. Além disso, considera que o diálogo estabelecido entre profissionais é essencial na construção do objeto final.
O mesmo não se verifica em contexto de cinema ou em televisão. Ainda que a artista se entregue aos trabalhos com a mesma vontade e predisposição, considera os tempos são “mais afunilados”, a experimentação é “um trabalho mais solitário” e conclui que o processo de cada meio é que faz essa alteração.
“Eu nunca fujo de mim”
A construção de uma personagem requer a criação de um universo imaginado, cujos comportamentos e atitudes, têm de ser integrados num trabalho constante. Ainda que os mesmos possam ser totalmente díspares da experiência de vida de cada ator, a atriz considera que o ser humano detém um imaginário vasto, capaz de tudo, por isso “quanto mais o exercitamos, mesmo nessa disparidade, mais profundamente nos investigamos”.
Em performance, admite “calçar” os sapatos de outrem e experienciar as suas vivências. Mas os pés, esses, permanecem os seus a todo e qualquer instante. Não se sente desconfortável em nenhuma outra pele e diz ser mais estimulante trabalhar personagens com pontos de vista diferentes, pois, permitem que trabalhe em si “zonas mais obscurecidas”.
No processo de transmutação para o corpo da personagem, considera essencial atingir uma espécie de neutralidade para que depois, através da sua “sensibilidade, das visões e das intuições”, possa desempenhar um papel. Durante esta viagem, vai beber de projetos que a inspiram.
Para convocar alguma “sorte” no desempenho das suas performances, alguns atores são conhecidos pelas suas superstições ou rituais antes de entrar em cena. Carolina Amaral vive neste mundo artístico e, para si, o ritual do aquecimento é imprescindível. É neste momento que deixa para trás “as tensões, os pesos e os assombros” do seu dia, numa tentativa de purificação. “É importante sentar-me e preparar-me para ser canal”, esclarece.
“Tenho estado a escrever e a pensar mais numa investigação artística, enquanto criadora”
Atualmente, assume-se como atriz, mas em tempos olhou para si como intérprete. A verdade é que a vontade de não se condicionar permanece, mas esta é a forma mais simples que encontrou para descrever o que faz. Amaral habita o campo artístico de várias formas, envolve-se e deixa-se envolver. “Sinto que na nossa particularidade, na nossa unicidade e diversidade de cada qual, conseguimos moldar-nos e respondermos a vários estímulos”, explica.
Em entrevista, revelou à New Woman que encontra várias maneiras de se expressar e a escrita é uma delas. Considera-a um lugar importante e revelou o desejo de criar algo próprio. Como a liberdade está presente na vida desta artista, o produto poderá assumir diversas formas. Por essa razão, não coloca fronteiras no seu processo criativo e esclarece que “pode ser uma performance, uma coreografia, pode ser um objeto mais literário ou mais ligado à escrita”.
“Achei um gesto bonito, um gesto até de inclusão de um nicho artístico”
Com uma paixão fervorosa pelo mundo da encenação, já participou em peças como “Andy”, de Gus Van Sant, e “Ifigénia”, de Tiago Rodrigues, em cena por Anne Théron. Além disso, fez parte do elenco de “Glória”, uma série da plataforma de streaming “Netflix”, e “Vidago Palace”, uma série televisiva da RTP. Carolina Amaral é um dos nomes mais sonantes do panorama artístico atual. Perante o seu mérito e talento, não é de admirar que tenha sido nomeada para os prémios revelação dos Globos de Ouro.
Para a atriz, esta nomeação é uma grande surpresa, pois, o seu percurso em cinema não é tão preponderante quanto o de teatro, fazendo com que o seu trabalho seja conhecido maioritariamente por um nicho artístico.
Reconhece que os prémios dos Globos de Ouro são direcionados para um público mais vasto e encara a nomeação como “uma vontade de integração e divulgação de trabalhos que à partida possam ser mais marginais”. Além disso, a artista considera este um ato bastante positivo a longo prazo e uma forma de celebração de “diversidade de percursos que não se faz apenas quando estamos no centro do acontecimento ou num percurso mais comercial”.
“Portugal tem uma grande lacuna no que diz respeito à integração das práticas artísticas nos currículos das escolas”
Ao refletir sobre a intervenção cultural em tempos pandémicos, a intérprete refere que esta assumiu um papel de grande importância, pois, o ser humano poderá encontrar através dela uma forma de se expressar e “quando não experienciamos o lado artístico tornamo-nos quase brutos e pessoas que quase não se pensam no mundo”, explica.
Apesar de reconhecer o interesse crescente dos portugueses pela cultura, a atriz de “Glória” lamenta que a arte não seja celebrada e incluída da mesma forma nos currículos escolares. Considera que a educação tem um papel fundamental na valorização destas aptidões artísticas e que, muitas vezes, há um hiato cujo resultado coloca a arte “num lugar de marginalidade”.
Para Carolina Amaral, “a arte é o fundo e o começo de tudo, é o pensarmos no mundo” e este fascínio fez com que falasse do seu percurso com a New Woman como quem conta a história de uma paixão fervorosa. De brilho nos olhos, mergulhou com grande entrega em cada uma das perguntas colocadas e levou-nos a coabitar um pouco do seu mundo artístico.
Artigo por Bianca Rocha