Há muito que estudo, escrevo e analiso, apresento em palestras e congressos e colaboro em debates, grupos de reflexão e imprensa sobre a saúde em diversos países na Europa, no mundo e em Portugal em particular.
Mundo, que nesta área é tão diverso e tão desigual, com realidades diferentes e por vezes sem soluções. Alguns países têm sistemas de saúde organizados, outros são mais liberais e há ainda muitos, muitos outros, que não têm nada exceto o que lhes é fornecido por organizações internacionais, como por exemplo, as Nações Unidas.
Há muito que a minha preocupação sobre a saúde dos cidadãos me sensibiliza e por vezes me causa angústia. Sinto responsabilidade pessoal acrescida, pelo facto de ser médico e cirurgião, com muitos anos de experiência em mais do que um país e em diferentes realidades.
Tratar os doentes, cuidar dos saudáveis
Auscultando os anseios dos doentes e dos saudáveis, que querem permanecer saudáveis, vou compreendendo o complicado puzzle e percecionar quais as prioridades e as ansiedades das pessoas.
A situação é diversa através do território europeu. Há diferenças na eficácia e na celeridade. No Reino Unido, por exemplo, com o National Health Service que inspirou o SNS – Serviço Nacional de Saúde português, os cidadãos reportam que as respostas são demoradas e a eficácia é por vezes discutível. No entanto, estes mesmos cidadãos não pretendem mudar o sistema. “Não há memória de mudanças de sistema exceto com guerras ou catástrofes”.
Em Portugal o panorama é ainda mais complicado, por vezes com dificuldade no atendimento de casos urgentes, conforme tem vindo a público recentemente. Estudos comparativos mostram que no NHS do Reino Unido, por exemplo, se doentes oncológicos de vários tipos de cancro fossem tratados na Holanda, 9 mil vidas seriam poupadas por ano, na Alemanha 12 mil e na Bélgica 14 mil (Kristian Niemietz).
Os cidadãos do século XXI exigem consulta atempada, pronto diagnóstico e célere tratamento. As listas de espera são o oposto e aumentam a mortalidade evitável, ultimamente agravada pela epidemia do covid-19 que complicou as situações e deixou sequelas.
E quanto as saudáveis? De uma forma geral, todos nós temos obrigação de olhar pela nossa saúde e em Portugal está mesmo na Constituição (artigo 64 da Constituição da República).
Olhar pela nossa saúde é uma prova de inteligência e ter alguma literacia é mesmo importante. Não é teoria, cada um de nós deverá tomar iniciativas de vida saudável, exercício físico, alimentação de qualidade e ar puro, melhoria do ambiente de trabalho e também repouso adequado. Tudo isto associado aos pequenos prazeres da vida, a família, os amigos, o amor, pequenos períodos de lazer, por exemplo, estimulam o nosso cérebro e trazem a médio prazo felicidade. Há ainda os autocuidados, a autoavaliação periódica, o controlo de fatores de risco, um verdadeiro investimento para mais anos de vida com qualidade.
Cabe aos governos ajudar a criar as condições para estas iniciativas que ainda por cima pouparão dinheiro ao orçamento de estado para a saúde a médio prazo. Há novos desafios para combater velhos males, como o controlo do excesso de medicação, a prevenção do stress excessivo que pode levar ao esgotamento.
Segundo a OMS, é possível definir literacia em saúde como “o grau em que os indivíduos têm capacidade de obter, processar e entender as informações básicas de saúde para utilizarem os serviços e tomarem decisões adequadas de saúde. Esta literacia em saúde ajuda-nos a ter consciência coletiva para a prevenção. Estas ações devem iniciar-se muito cedo, na infância, na escola e com os pais e programarão os nossos cérebros para este estilo de vida saudável. São experiências positivas que “falam à nossa mente”. A situação portuguesa no que diz respeito à literacia em saúde está a melhorar, mas ainda não chega, está abaixo da média da União Europeia. Há uma percentagem elevada de população apresentando nível problemático de literacia nesta área. Esperemos por ações no sentido de melhorar o panorama.
António Lúcio Baptista
Médico Especialista e Consultor em Saúde
antoniolucio.iberia@gmail.com